A MULHER DE OUTRORA

Mulher com véu negro – Jozsef Ripp-Rónai (1861-1925) pintor húngaro
FEMME D´AUTREFOIS – Emile Lante
Femme! je ne te vis, jadis, que quelques heures,
Passante parmi les passantes… Je ne fus
Pour toi qu’un doux enfant dont nul trait ne demeure,
Un visage qui fuit aussitôt qu’apparu…
Je me souviens : tu mis ta main pâle à mes joues.
Frôlas négligemment mes cheveux de tes doigts,
Ignorant que ta grâce un peu triste, un peu floue
Sous le long voile noir, s’incarnait toute en moi.
Depuis, j’ai grandi; mais mon âme adolescente
Se rappelle toujours la bonté de tes yeux
Et, parfois, imprécise en ta robe flottante,
Je te vois apparaître au lointain des soirs bleus…
Eu vi pela primeira vez essa mulher de outrora, em 1944, nos “Poetas de França”, a suntuosa antologia de Guilherme de Almeida, em que ele “passeia” pela literatura francesa trazendo para a nossa língua desde a balada dos tempos idos de François Villon (1431-1463) até a exaltação de São Paulo, feita pelo modernista Luc Durtin ((1881-1959). Foi na página 241 dessa 2ª edição que dei com o poema por ele traduzido.
MULHER DE OUTRORA – Emile Lante
Tr. de Guilherme de Almeida
Mulher! Eu não te vi senão um breve instante,
Passando como as que passavam… Eu não fui
Para os teus olhos mais que uma criança errante,
Um rosto vago que, como vem, se dilui…
Lembro-me: tu puseste a mão branca em meu rosto,
E em meus cabelos os teus dedos de marfim,
Ignorando que o teu encanto, triste e fosco,
Sob o véu longo e negro, encarnava-se em mim.
Fiquei moço: porém minha alma adolescente
Nunca esquece o que viu em teus olhos de luz
E, às vezes, indecisa em teu manto indolente,
Ressurges nos confins destas noites azuis…!
O poema deve ter exercido certo fascínio sobre mim, pois em 13-2-48, quatro anos depois, vou reencontrá-lo no “famoso caderno do escoteiro”, onde exibo a “minha” versão do soneto, acompanhada do original, certamente no intuito de mostrar algumas soluções que eu, então, certamente acreditava fossem melhores que as obtidas por Guilherme de Almeida. Ei-la:
MULHER DE OUTRORA – Emile Lante
Tr. de Ivo Barroso
Mulher! Eu só te vi, outrora, um breve instante,
Quando passaste em meio à multidão… Não fui
Ao teu olhar senão um doce e pobre infante,
Uma feição que surge e logo se dilui…
Recordo: a tua mão que o rosto meu afaga,
no meu cabelo enfiaste os dedos de marfim
Sem saber que tua graça, um pouco triste e vaga,
Sob o longo véu negro incarnava-se em mim…
Depois, cresci. Porém minha alma adolescente
Lembra a bondade ideal que em teu olhar possuis
E em teu manto ondulante, às vezes, suavemente,
Te vejo aparecer nestas noites azuis.
13-2-48

Mas, se havia um ar de mistério naquela mulher desconhecida, o autor do poemeto não deixava igualmente de ser misterioso. Durante muitos anos nada encontrei sobre Émile Lante, nem sequer a menção de seu nome nas várias fontes consultadas. Eu tinha o célebre Manuel Illustré d’ Histoire de la Litterature Française – des origines à l’ époque contemporaine, esse clássico da Librairie Hachette dos anos ‘30, mas nele não há qualquer referência ao nosso poeta. Recorri à preciosidade mais recente (1988), a Anthologie de la Poésie Française, da Larousse, mas ali também nada consta sobre Émile Lante. Frequentes consultas ao onisciente Google resultaram igualmente inúteis, até que um dia consegui o retrato (acima), que o identificava como “poète lillelois”, ou seja natural de Lille, ao norte da França, cidade na fronteira com a Bélgica. Tudo indica que o poeta permaneceu fiel à sua província, onde dirigiu vários jornais e revistas e chegou a publicar dois volumes de poesia, “Paroles Fragiles” e “Les émotions modernes”, editados em 1904 pela H. Havard, de Paris. Graças a uma pequena antologia da poesia “lilleloise” conseguimos obter mais alguns dados, inclusive a data de nascimento (1881), mas não a de sua morte. O poeta ficou mais conhecido entre seus contemporâneos como compositor de canções, algumas das quais podem ser ainda hoje consultadas na Internet.
A MULHER QUE PASSA

Eu havia prometido que “Barquinhos de Papel” e “Papagaio de Papel” seriam os últimos poemas da série “Versos Tristes e Sentimentais”, mas, vasculhando o fundo da gaveta, ainda encontrei estes, certamente desdobramentos do fascínio que os versos de Emile Lante me causaram e que comentei acima. É verdade que os de agora têm algo a ver igualmente com a leitura de Une Passante, de Baudelaire, que também me fascinaram e tentei sem êxito traduzir. Pois aí vai a despedida final dos versos antigos e sentimentais, última velharia que ainda restava no fundo da gaveta:
A MULHER QUE PASSA
Há sempre uma mulher que passa em nossa vida…
Não se sabe dizer de onde ela veio,
ou mesmo quando veio e até porque se foi.
A gente sabe apenas, vagamente,
que ela veio e chegou perto da gente,
que nos olhou… e que seguiu depois.
Mas se alguém nos pergunta por acaso
a cor dos olhos dela, a forma de seu rosto,
se o sol nascia ou demandava o ocaso,
se era tarde de abril, se era manhã de agosto –
Inútil… não se sabe!… Em nossa mente
perdura, mesmo assim, confusamente
a impressão de que o tempo inexistia
quando ela veio e nos olhou naquele dia
— que nos olhou… e que seguiu depois.
Decerto essa mulher possui um nome,
veio de algum lugar e segue algum destino.
No entanto, procuramos esquecê-la
dizendo que ela foi um sonho de menino,
uma ilusão qualquer, o rastro de uma estrela…
Mas a verdade é que ela veio!
A verdade é que uma graça infinita,
um misto de tristeza e de doçura,
que ainda hoje nos dói,
nos diz que era verdade essa mulher bonita
que veio e nos olhou e que seguiu depois!
E pensar que talvez uma palavra apenas
fizesse com que a sombra indefinida,
no dia em que chegou, ficasse em nossa vida!
No entanto, se ela viesse novamente,
tivesse o mesmo olhar, aquela mesma graça,
de novo a nossa boca ia ficar silente,
pois que a gente recorda essa mulher ausente
só porque vem, porque nos olha… e porque passa!
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