Durante o recesso, a Gaveta recebeu muitos livros, sobre alguns dos quais faço registro nesta oportunidade.
SOBRE 50 LIVROS (BRASILEIROS/CONTEMPORÂNEOS) QUE EU GOSTARIA DE TER ESCRITO
O GRANDE W.J. Solha, grande em todos os sentidos, grande poeta, grande escritor, grande pintor, grande crítico literário – e agora também grande ator (“O Som ao Redor” e “Era uma vez eu, Verônica”) acaba de acrescentar mais um grande às suas qualidades – grande publicitário da obra alheia. Num momento em que os escritores, em geral, estão só falando de si mesmos, Solha nos manda este livro erudito e interessante em que exalta os valores literários de autores, alguns só regionalmente conhecidos. Além do mais, o autor dispõe exemplares gratuitos a quem os solicitar (wjsolha@superig.com.br). Grande, grande.
CANTOS DE CONTAR – ALBERTO DA CUNHA MELO
Organizado por sua viúva, Claudia Cordeiro, este livro reúne uma seleção de poemas das fontes primeiras do premiado poeta falecido em 2007, além de uma coleção de seus desenhos quase todos inéditos. Alberto é um dos nomes mais representativos da grande poesia brasileira e merece ser conhecido por todos aqueles que se interessam por isto. Oportunamente divulgaremos alguns de seus poemas aqui na Gaveta.
O SENHOR DAS MATEMÁTICAS – MARIA CARPI
A autora é reconhecidamente um dos grandes nomes da literatura gaúcha e surpreende seus leitores com estes poemas em prosa nos quais analisa seus sonhos, os de fato sonhados e não os da imaginação, conseguindo transformar em realidade legível, quase palpável, a matéria de que são feitos.
DE VIVA VOZ – ANDERSON BRAGA HORTA
Mais um belo livro de versos do excelente poeta mineiro radicado em Brasília. Gostaríamos de transcrever aqui o belo poema Bríndisi, que se compõe de nove quadras, sendo a primeira esta pérola: “O copo sobre a mesa,/ No seu cristal cintila/ a dupla natureza/ de matéria e de espírito”. Mas deixemos ao leitor saboreá-lo inteiro.
TEXTOS E ENSAIOS – MILTON REZENDE
Meu conterrâneo (de Ervália) o poeta Milton Rezende mostra neste livro que domina igualmente o ensaio, o conto curto, a reflexão. Esses artigos trazem como adendo os Pensamentos da Juventude, uma série de frases de espírito que classificam Milton como um dos nossos melhores witticists. Vejam estas: “A omissão implícita é pior do que a recusa delkiberada.” “Eu também sou um Casanova. Só que mal sucedido.” O livro pode ser adquirido pelo e-mail: Milton.rezende@yahoo.com.br.
DIGNIDADE – MARIO VARGAS LLOSA E VÁRIOS AUTORES
Nove histórias verídicas, relatos de visitas que seus autores fizeram a postos avançados do serviço Médicos sem fronteira, principalmente na África. Angustiante e comovente este livro dá uma imagem do que é o trabalho beneficente dessa instituição.
TEMPO DE MEMÓRIA – ROSALVO ACIOLI
Os ensaios e críticas encerrados neste livro atestam a seriedade e o conhecimento de causa com que os assuntos literários são tratados fora do eixo Rio-São Paulo. Rosalvo Acioli usa a abordagem literária não para um display momentâneo de leitor apressado mas para uma verdadeira anatomia do conteúdo e da estilística dos autores que estuda. Um livro co,mo raramente vemos por aqui, onde obras medíocres do gênero são amplamente trombeteadas.
O RIO – ARLETE NOGUEIRA DA CRUZ
Este rio da Arlete é muito mais que um rio e por ele, aquém e além dele, escorre e sutiliza-se a memória de sua infância e de seus antepassados, numa escrita que, sempre poética, beira amiúde o poema em prosa. Bela edição com ilustrações de Péricles Rocha.
PREFÁCIO ÁS OBRAS COMPLETAS DE CHARLES BAUDELAIRE – THÉOPHILE GAUTIER
A mais recente tradução do recifense Milton Lins, laureado pela Academia Brasileira de Letras com o prêmio de tradução de 2010.
CARTAS A NORA – JAMES JOYCE
O elegante casal literário Dirce Waltrick do Amaral (As Antenas do Caracol) e Sérgio Medeiros (Totens), ambos professores da Universidade de Santa Catarina, brindam seus entusiásticos leitores com mais uma façanha, a da tradução das famosas cartas de James Joyce dirigidas a Nora Barnacle, sua companheira de sempre. Tradução rigorosa em que foi preservada a linguagem às vezes abertamente rude de Joyce, o que representa séria dificuldade para os tradutores, mas no caso, sendo ambos versados na obra de Joyce, essa correspondência adquiriu em português toda a pujança que ostenta no original.
MEU LIVRO IMPACTANTE
Sofri, com a voracidade das leituras juvenis, grandes impactos e perturbações: passar de Alexandre Dumas a Dostoievski implica saltar da simples sucessão de lances aventurosos para um mergulho nos meandros da consciência e da análise do comportamento humano. As reformulações se faziam necessárias.
Mas o livro que mais me impactou, no sentido de modificar definitivamente o meu conceito de literatura, foi um livro de versos – a poesia de A Rosa do Povo – que eu li aos 16 anos, em sua primeira edição de 1945. Eu era, nessa época, um poeta em tempo integral, diarista assíduo, com uma boa centena de versos acumulados em dois cadernos batidos à máquina. Em geral versos românticos, adeuses a amadas hipotéticas, a habitual ruminação de velhos temas cediços. Meu gosto pela poesia se formara com a proximidade familiar das coleções Jackson, com Machado de Assis e Humberto de Campos, até que descobri Augusto dos Anjos que me fez percorrer caminhos de asperidades vocabulares e temas abscônditos. Mas voltei à direta via com a Luz Mediterrânea de Raul de Leôni.
Um dia dou com Drummond que me subverte, me fulmina, decretando minha falência como poeta; tudo o que eu havia escrito até então eram banalidades só (bem) rimadas e metrificadas. Aquela poesia nova, que os suplementos propalavam ser a grande voz da lírica brasileira, implodiu o poeta que eu era. A razia foi tão radical que esperneei. Escrevi a Drummond: como era possível que um poeta de sentimentos, que havia composto os versos de Consolo na praia, era capaz de escrever um poema sem pé nem cabeça como Áporo? E lhe mandava dois poemas meus: um bem sentimental e outro (imitação de Áporo) denominado Criptógamo, no qual ele achou “uma intenção mais sutil, expressa de maneira mais trabalhada. A morte do poeta moderno é um tanto declamatório e vão, puxado a discurso poético”, decretou. A partir daí, eu nunca mais faria poemas vazios; a verdadeira poesia exigia vivência, expressão pessoal. A influência foi tamanha que fiz um livro inteiro Canto urgente e outros poemas em que havia versos chapadamente drummonianos como Nos porões e nas repúblicas/ nas pensões e nos pardieiros/ o ar se tornava escasso/ e a noite era só propícia/ ao arranhado amor dos gatos. Em 2001, quando lancei meu livro de estréia, A Caça Virtual e outros poemas, fiz questão de excluir todos os resquícios, todos os ecos destorcidos de uma poesia que, me desestabilizando, ajudou-me a encontrar a minha própria voz.
(Publicado em Carta Fundamental – Cultura – nº de setembro de 2012 – pg. 61)