

Há tempos, meu amigo Diógenes da Cunha Lima, grande figura de Natal-RN, campeão dos nobres gestos (adquiriu um terreno só para não deixar que derrubassem um imenso baobá que nele havia), mandou-me este instigante questionário, cujas perguntas, pela sua amplitude e sensibilidade, gostaria de propor também aos leitores deste blog. Como você faria?
1. Solidão é conquista ou derrota.
A solidão é uma das muitas luas da vida: sua face luminosa é a do ser consigo mesmo, necessária para o auto-conhecimento e a reflexão; a segunda é quase um desespero, o negror do abandono.
2. O computador muda a sua vida.
O computador modifica fundamentalmente alguns de nossos hábitos. Traz benefícios já agora incorporados ao nosso dia-a-dia. Mas não creio que mude o nosso interior.
3. A Internet é também extensão de sua vida.
A Internet contribui em muitos casos para facilitar a nossa vida: inesgotável fonte de consulta sobre praticamente todos os assuntos; maior velocidade em nossas comunicações. Pode ser comparada ao um lixão: toneladas de dejetos onde às vezes se encontra uma pepita.
4. Escrever é ventura ou aventura.
Uma síntese de ambas. O escritor sofre durante o ato de criar e rejubila-se depois da criação.
5. O que mais se salienta em um caráter humano.
A honestidade do comportamento.
6. Melhor a fantasia ou a realidade.
Sem a fantasia a realidade seria muito pobre. Sem a realidade a fantasia não teria sentido.
7. A poesia é útil.
Não, se tomarmos a palavra como utilidade prática, algo rentável ou passível de servir a determinadas situações da vida material. É útil subjetivamente – uma espécie de pão da alma.
8. Fronteira entre a poesia e a prosa.
Os limites se confundem e se interpenetram. Assim como há muita poesia prosaica há também muita prosa poética. Delimitar a fronteira é trabalho para especialistas hipersensíveis: às vezes num longo trecho meramente prosaico explode uma palavra, um verbo, um torneio da frase que nos faz ascender à beatitude lírica.
9. Livros que ajudaram à sua formação.
“Demian”, de Hermann Hesse, foi o livro que literalmente mudou minha vida, ajudando-me a vencer um complexo de timidez que me asfixiava. Foi tão definitivo na minha formação que me determinei a traduzi-lo, para que outros pudessem usufruir dos benefícios que ele me havia proporcionado.
10. Qualidade superior em um homem.
Altruísmo.
11. Qualidade superior em uma mulher.
Aura.
12. O que mais aprecia em um amigo.
Franqueza, lealdade.
13. O que mais lamenta em um amigo.
Inveja, sarcasmo.
14. Medo – a que serve.
O medo instiga o anseio de vida. Em demasia, o da morte.
15. Dúvida – a que serve.
No mínimo para gerar uma obra-prima como o Hamlet.
16. A morte é vírgula ou ponto final.
É ponto-e-vírgula.
17. Deus é patrimônio de cada ser humano.
Deus é o ser humano levado à perfeição.
18. Jesus é um amigo.
Um amigo distante, mas inspirador.
19. O diabo tem credibilidade.
Pelo menos literariamente: vide o Fausto, Papini, etc. Na vida real apresenta-se sob a forma dos mil aborrecimentos que sentimos cotidianamente.
20. Somos sós no universo.
No universo, na terra, no país, na cidade, em casa…
21. Que outro dom, Deus poderia ter dado a você.
Já dizia o Pessoa que os deuses tomam quando dão. Se considero a poesia um dom, lamento que ela não me frequente amiúde.
22. Seu defeito principal.
Lordose.
23. Sua ocupação preferida.
Escrever.
24. Como você sonha a felicidade.
Uma conjugação perfeita de hedonismo e espiritualidade.
25. Você não consegue tolerar.
A desfaçatez da política atual.
26. Seu estado de ânimo atualmente.
Um pêndulo entre a depressão e a euforia.
27. O que mais importa a você como profissional.
O reconhecimento da qualidade de meu trabalho por parte de um pequeno grupo não necessariamente de amigos mas de conhecedores do ramo.
28 O que mais importa a você como amador.
A liberdade de escolha.
29. O que o tornaria infeliz.
Não poder ouvir música.
30. Quem você gostaria de ter sido.
Estou satisfeito com o que sou, mas gostaria de fazer algumas recauchutagens.
31.Três cidades encantadoras.
Paris, Taormina e Rio de Janeiro, do ponto de vista panorâmico. Há outras que me encantaram pelo clima interior, a afeição de seu povo, a aura benfazeja.
32. De que país o Brasil poderia auferir qualidades.
Faltam-nos algumas das qualidades dos povos mais cultos, como por exemplo a disciplina e a instrução. Mas acho que com todos os nossos defeitos e deficiências estamos fadados a ser uma grande nação algum dia.
33. Árvore admirável.
Tenho duas, prioritariamente, na memória visual: no Rio, um ipê-amarelo próximo à minha casa (escrevi uma crônica sobre ele) e um baobá, visto em Natal e que espero rever.
34. Flor preferida.
Rosa.
35. Pássaro admirado.
Beija-flor.
36. Cor favorita.
Azul.
37. Autores canônicos favoritos (prosa).
Brasileiros: Machado, Graciliano, Clarice Lispector.
38. Autores canônicos favoritos (poesia).
Drummond, Bandeira e João Cabral. Entre os antigos: Raul de Leôni.
39. Na ficção, personagens (masculinos) de sua estima.
Cyrano de Bergerac, Dom Quixote, Zeno (de Ítalo Svevo).
40. Na ficção, personagens (femininas) da sua estima.
Capitu, Madame Bovary, Olívia (de Érico Veríssimo).
41. Compositores favoritos (erudito e popular).
Mozart, Ravel, Debussy. Villa-Lobos.
42. Um filme.
Les Enfants du Paradis (Marcel Carné – Jacques Prevert)
43. Pintores preferidos.
Munch, Morandi, Portinari.
44. Um ditado popular.
Para bom entendedor, um pingo é letra.
45.Três palavras bonitas.
Alcândora, pituitária, epifania.
46. Um aforismo.
O caminho do excesso leva ao palácio da sabedoria (William Blake).
47. Prenomes favoritos (três).
Ney, Fábio, Raul.
48. Heróis (na vida real).
Zola e todos os que defendem a causa da justiça.
49. Heroínas (na vida real).
A mulher que morreu queimada tentando salvar as crianças de um carro incendiado. O heroísmo é ainda mais significativo quando o herói é anônimo.
50. Heróis históricos.
Não me ocorre ninguém expressivo, agora.
51. Detestáveis homens da história.
Bush. Sadam.
52. Daria indulgência a que falhas humanas.
A todas as pequenas. O homem é falível por excelência, mas não perdoaria o crime.
53. Um verso.
Um verso de harmonia gestáltica:
“Erguendo o dorso altivo sacudia
a branca espuma para o céu sereno”
(Casimiro de Abreu) .
54. Uma canção.
“Rapunzel, Rapunzel, solta, solta as longas tranças” (*)
55. Personalidades bíblicas (masculinas).
O Rei Davi, Lázaro, O Filho Pródigo.
56. Personalidades bíblicas (femininas).
Madalena, Michol, Raquel.
57. O seu rio.
Turvão (“o rio da minha aldeia”).
58. O seu mar, sua praia.
O Mediterrâneo, a praia de Itacuruçá.
59. Quem tem um sol no coração.
A maior parte de meus amigos.
60. Quem tem um deserto no coração.
Os rancorosos, os desiludidos, os abandonados.
61. Ser criança é.
Não se entregar à velhice.
62. Ser jovem é.
Um estado de espírito.
63. Ser maduro é.
Saber julgar.
64. Ser velho é.
Inevitável.
65. Bebida favorita.
Antigamente, champanhe; hoje, leite de soja.
66. Comida favorita.
Sou glutão, mas se tiver de escolher, prefiro peixe.
67. Exerce a sua fé.
Muito intimamente e em total discrição.
68. Exerce a sua esperança.
Religiosamente.
69. Exerce a sua caridade.
Não tanto quanto o meu impulso o exigiria.
70. Epifanias.
A idealização do amor, o deslumbramento, a percepção do milagre, o toque da magia.
71. Seu lema.
Ainda hei-de!
–

(*) Rapunzel é um nome que me ficou cauterizado na memória desde que li, em criança, a história dos irmãos Grimm no Tesouro da Juventude: Um jovem vê sua amada presa numa torre e pede-lhe que solte os longos cabelos a fim de poder subir por eles e salvá-la. Ele chega embaixo e canta: “Rapunzel, Rapunzel, solta, solta as longas tranças”. Desde aquela época, atribuí a essas palavras uma música que, até hoje, sem querer, me ouço trauteando.
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