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Archive for novembro \28\-03:00 2016

dagerman

Stig Dagerman (1923-1954), um dos mais importantes escritores suecos do após-guerra é praticamente desconhecido no Brasil. Ao que me consta, seu único livro traduzido entre nós, “A ilha dos condenados” (no original: De dömdas ö), foi publicado pela Civilização Brasileira em 1978, nunca reeditado, hoje fora das livrarias e só com alguns exemplares à venda na Estante Virtual. Já os portugueses traduziram seus principais romances: “Vestido Vermelho” (cujo título original Bränt barn significa “a criança queimada”, em que relata a tentação de um jovem pela amante do próprio pai; “A Serpente” (Ormen), uma história antimilitarista tendo o medo como tema principal, simbolizando o fantasma da guerra; “As Sete Pragas do Casamento” (estranho título dado pelos portugueses a Bröllopsbesvär, literalmente “Aflições de um casamento” e que eu traduziria por “Nojo de Núpcias”) e “Outono Alemão” (Tysk Höst), livro em que conta suas impressões da Alemanha pós-guerra, sua preocupação com o destino cultural desse país que foi submetido (e submeteu-se) à loucura nazista. Essa simpatia pelo povo alemão, levou-o a casar-se em 1943 com uma refugiada de guerra, Annemarie Götze, de apenas 18 anos, com quem teve dois filhos. Mais tarde, já famoso como o mais representativo escritor sueco de sua geração, foi atraído pelo cinema e aproximou-se da atriz Anita Björk (estrela do filme “Senhorita Júlia”, baseado na obra de Strindberg e dirigido por Alf Sjöberg), com quem vai viver em 1953. Consta que Anita foi convidada por Hitchcock para fazer um filme em Hollywood, mas lá chegando em companhia de Dagerman e do filho de seu casamento anterior (Jonas Berström), foi impugnada pelo estúdio por não ser legalmente casada com seu acompanhante (Stig). O cinema exerceu grande influência sobre estilo de Dagerman: no conto que apresentamos a seguir, ele trabalha com uma série de cenas esparsas que vão se superpondo, aparentemente sem conexão entre si, para formar no fim uma espécie de painel homogêneo.

Apesar de todo o seu sucesso escandinavo, Dagerman sentia-se deprimido e isolado, acabando por suicidar-se em 1954: trancou-se na garagem, entrou no carro, ligou o motor e deixou-se asfixiar pelo gás carbônico da descarga.

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Att döda ett Barn (Matar uma Criança), o mais célebre dos escritos de Dagerman, foi traduzido para o português por JORGE CARDOSO, autor de “Mal pela Raiz” (2004) e “Um Cavalo no Cemitério de Deus” (2006), dois livros absolutamente alucinatórios. Jorge vive há 16 anos na Suécia, na úmida cidade de Umeå, expatriado por vontade própria, depois de passar por todas as peripécias com que sonharam os jovens aventureiros de sua geração.

 

MATAR UMA CRIANÇA (Att Döda ett Barn)       –           STIG DAGERMAN

É um dia leve e o sol cai a pino sobre a planície. Logo os sinos irão tocar, pois é domingo. Entre campos de centeio, dois jovens encontram um caminho nunca dantes percorrido e contemplam no fundo do vale as vidraças brilhantes de três vilarejos. O homem faz a barba diante do espelho sobre a mesa da cozinha e a mulher cantarola enquanto corta o pão; sentada no chão, a criança tenta abotoar o corpete. É a manhã idílica de um dia nefasto, pois neste mesmo dia uma criança será morta no terceiro vilarejo por um homem feliz. Enquanto isto, a criança sentada no chão ajusta os botões de seu corpete e o homem que se barbeia diz que hoje irão sair e farão um passeio de barco e a mulher cantarolando coloca as frescas fatias de pão num prato azul.

Não há sombras na cozinha, e enquanto isto homem que irá matar a criança está em frente a uma bomba de gasolina vermelha em um posto de abastecimento no primeiro vilarejo. Ainda é um homem feliz que olha o visor da câmera e vê na lente um carrinho azul e ao lado do carro uma garota que sorri. Enquanto a moça sorri e o homem faz a foto belíssima, o atendente do posto fecha a tampa do tanque e lhes deseja bom dia. A garota entra no carro e o homem que irá matar uma criança retira a carteira do bolso e diz que eles irão até o mar e quando lá chegarem vão alugar um bote e remarão para bem longe.

Baixando o vidro da janela do carro, a moça no assento dianteiro escuta o que ele diz, fecha os olhos e ao fechá-los vê o mar e o homem ao seu lado no bote. Ele não é um homem mau, está alegre e satisfeito e, antes de entrar no carro, para um instante diante do radiador cintilante, desfrutando do reflexo, do cheiro de gasolina e das cerejas. Não há nenhuma sombra sobre o carro e o para-choque não está amassado nem manchado de sangue.

Mas, ao mesmo tempo em que o homem naquele primeiro vilarejo, outra vez bate a porta do carro à sua esquerda e dá partida, a mulher na terceira vila abre a porta do armário da cozinha e não encontra nenhum açúcar.  A criança que acabara de abotoar seu corpete e sozinha deu laços nos sapatos está de joelhos no sofá e vê o córrego que serpenteia entre amieiros e um barco velho com os remos jogados sobre a grama. O homem que irá perder sua criança está barbeado e acaba de guardar o espelho. Sobre a mesa os copos de café, pão, creme de leite e algumas moscas. Falta apenas o açúcar e a mãe diz para a criança correr até os Larssons e pedir alguns cubinhos emprestados.  E enquanto a criança abre a porta o homem grita da cozinha que é para ela se apressar, porque o bote está à espera na margem e eles irão remar para bem longe como não haviam remado antes.  E enquanto corre atravessando os quintais a criança pensa o tempo todo no riacho, no bote e nos peixes se batendo e ninguém conta para ela que tem apenas oito minutos de vida e que o bote continuará lá o dia inteiro e por muitos outros dias irá continuar.

Não é tão longe até os Larssons, é só atravessar a rua e enquanto a criança corre para atravessá-la, um pequeno carro azul percorre o outro vilarejo. É uma pequena vila com casinhas vermelhas e pessoas que acabaram de acordar diante da mesa da cozinha segurando copos de café, vendo o carro passar acelerado no outro lado da cerca levantando, enquanto passa, uma imensa nuvem de poeira. Vai muito rápido e o homem que dirige vê as macieiras e os postes com seus cabos telegráficos de relance como se fossem sombras muito escuras. A brisa do verão entra pela janela, eles saem da vila, e estão seguros no meio da estrada e estão sozinhos – ainda. É gostoso este viajar solitário por uma estrada tão ampla e com o campanário ao longe fica ainda mais bonita. O homem é feliz e forte e com o cotovelo direito sente o corpo de sua namorada. Não é um homem mau. Tem apenas pressa para chegar ao mar. Não mataria uma mosca, mas ainda assim irá matar uma criança. Enquanto aceleram de encontro à terceira vila a garota fecha os olhos e brinca que não irá abri-los enquanto não cheguem ao mar e imagina no ritmo do balanço oscilante do carro quão tranquilo o mar vai estar.

E porque a vida é construída sem nenhuma compaixão um minuto antes de um homem feliz matar uma criança ele será ainda feliz e antes de a garota gritar apavorada ela conseguirá fechar os olhos e sonhar com o mar, e o último minuto na vida de uma criança pode ser aquele em que os seus pais sentados na cozinha esperam pelo açúcar e conversam sobre os dentinhos brancos de seus filhos e sobre um passeio de domingo. Esta mesma criança fecha um portão e começa a atravessar a rua segurando na mão direita alguns cubinhos de açúcar enrolados num papel branco e este último minuto nada mais é do que um longo e tranquilo riacho com peixes grandes e um barco com remos silenciosos.

O depois é sempre tarde demais. O depois é um carro azul derrapando pela estrada e uma mulher que aos gritos tira a mão da boca e a mão está sangrando.  Depois um homem que abre a porta do carro tentando ficar de pé embora tendo um abismo de terror dentro de si.  O depois são alguns cubinhos de açúcar esparramados entre o sangue e o cascalho e uma criança deitada imóvel de bruços com o rosto pressionado contra a estrada. Depois aparecem duas pessoas pálidas, que ainda não beberam seu café correndo e passando a cerca e vêem naquela estrada o que nunca irão esquecer. Porque não é verdade que o tempo é o melhor remédio. O tempo não cura a dor de perder um filho e cicatriza muito mal a mesma dor de uma mãe que se esqueceu de comprar açúcar e mandou a criança atravessar a rua para pedir um pouco emprestado. E o tempo também não cura a angústia do homem feliz que a matou.

Porque aquele que matou uma criança não vai até o mar. Aquele que matou uma criança volta em silêncio para casa e ao seu lado uma mulher que não consegue falar e com as mãos enfaixadas. E por todas as vilas que passam eles não conseguem ver uma única pessoa feliz. Todas as sombras são ainda mais escuras e enquanto eles se distanciam o silêncio continua e o homem que matou a criança sabe que este silêncio é o seu inimigo e que ele irá precisar de todos os anos de sua vida para vencê-lo gritando que não foi sua culpa. Mas ele sabe que é uma mentira e que ao invés disso, em cada noite ao se deitar, ele irá desejar apenas um minuto de sua vida de volta para fazer deste único minuto algo diferente.

Mas a vida não tem piedade para aqueles que matam uma criança e, por isso, tudo que vier depois será sempre tarde demais.

***

A tradução deste conto foi publicada no Brasil inicialmente na revista Dicta & Contradicta, de dezembro de 2008, nr.  02, pgs. 149-51, com autorização da Norsteds Agentur, de Estocolmo.

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A MI HERMANO MIGUEL

In memoriam

Hermano, hoy estoy en el poyo de la casa,
donde nos haces una falta sin fondo.
Me acuerdo que jugábamos esta hora, y que mamá
nos acariciaba: “Pero hijos…”

Ahora yo me escondo,
como antes, todas estas oraciones
vespertinas, y espero que tú no des conmigo
Por la sala, el zaguán, los corredores.
Después, te ocultas tú, y yo no doy contigo.
Me acuerdo que nos hacíamos llorar,
hermano, en aquel juego.

Miguel, tú te escondiste
una noche de agosto, al alborear;
pero, en vez de ocultarte riendo, estabas triste.
Y tu gemelo corazón de esas tardes
extintas se ha aburrido de no encontrarte. Y ya
cae sombra en el alma.

Oye hermano, no tardes
en salir. ¿Bueno? Puede inquietarse mamá.

 

A MEU IRMÃO MIGUEL

In memoriam

Mano, hoje estou junto ao poço da casa (*)
onde você nos faz uma falta sem fundo!
Lembro que nesta hora nós brincávamos, e mamãe
nos vinha acariciar: “Ouçam, meninos…

Então me escondo ,
como antes, todas aquelas orações
vespertinas, à espera de que você não me encontre.
Lá na sala, no saguão, nos corredores.
Depois, é você que se esconde, e não te encontro.
Lembro-me que acabávamos chorando
Irmão, naquela brincadeira.

Miguel, você, numa noite,
De agosto se escondeu, de madrugada;
Mas, em vez de esconder-se rindo, estava triste
E seu gêmeo coração daquelas tardes
Extintas se amargurou de não o achar. Já
Cai a sombra sobre a alma.
Ouça, irmão, não demore
Em se mostrar.  Pois mamãe pode se afligir.

***

Este sentido poema foi escrito por César Vallejo em memória de seu irmão mais velho, Miguel Ambrósio, que morreu de pneumonia fulminante aos 26 anos em agosto de 1915. A minha tradução, na qual tomei excepcionalmente algumas liberdades, como se o poema fosse meu, faço-a em homenagem ao meu falecido irmão Ney Julião Barroso, que também morreu em circunstâncias deploráveis (operação malsucedida em 15.06.2014) e me deixou igualmente “o gêmeo coração amargurado”. À noite, quando me deito, olho para o teto na esperança de encontrar o seu esconderijo que sei estar a milhões de anos-luz, lá nas alturas. Mas nada vejo além do teto. Chamo por ele em silêncio. Queria tanto que aparecesse, que me falasse. Ney, você não sabe a falta que me faz, de ouvir a sua voz ao telefone comentando assuntos de política, preocupado com os destinos de nosso país, chamando minha atenção para a sua última crônica em seu blog ‘falandogrossodoherval’. Há quanto tempo não tenho mais você para comentar sobre a Lava-Jato, o impeachment da Dilma, as olimpíadas, as eleições no Rio e nos Estados Unidos, o Enem, a reforma do ensino, nem ouvir reclamações sobre as derrotas de seu time…  Vamos parar com essa brincadeira de esconder. Já somos adultos. Nossa mãe já se afligiu bastante conosco, com as nossas estrepulias de criança e as nossas incertezas de homens feitos. Agora que somos adultos, podemos francamente trocar ideias e pedir conselhos. Mas não te acho… não te encontro… porque você se escondeu dessa maneira? INB

(*) A melhor tradução de poyo seria poial, mas não resisti diante da ilação poço sem fundo=fossa..

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Uma das minhas maiores frustrações como tradutor é a de não ter me empenhado em transladar à nossa língua a nervosa e personalíssima arte poética de César Vallejo, vate peruano cuja influência dominou toda a literatura latino-americana do século XX e se propaga ainda hoje pelo nosso.  Dele traduzi apenas três poemas (Los passos lejanos, La araña e Oh las quatro paredes de la celda), que publiquei em minha antologia de poemas traduzidos, O Torso e o Gato (Record, 1991), mas minha intenção foi sempre fazer todo o Trilce, de 1924, e bem assim Los Heraldos  Negros, seu primeiro livro, de 1918.

Vallejo é importante, é mesmo o poeta de língua espanhola mais importante da América Latina, ombreando-se na força expressiva com Neruda. Foi o primeiro a subverter os padrões linguísticos da poesia em língua espanhola, a introduzir a linguagem do modernismo nas Américas, a criar um vocabulário próprio em que usa indiscriminadamente letras como o h – enfim, numerar suas qualidades seria o mesmo que traçar o retrato de corpo inteiro de um Rimbaud dos Andes. E sua poesia é profunda, toca no âmago da angústia humana, revolve feridas da alma. Seu tema principal é o homem universal, mesmo quando está falando de si mesmo. O grande escritor e poeta católico Thomas Merton considerou-o “o mais importante poeta universal depois de Dante”.

Vallejo teve uma vida miserável em sua terra natal, vivendo de pequenos biscates literários e de aulas esparsas de latim. Não chegou a se formar em Direito, quando jovem, na Universidade de Trujillo, por falta de dinheiro, só o conseguindo bem mais tarde. Tenta a vida como professor, mas acaba sendo preso num caso equívoco de atentado a um político local, passando a viver perseguido pela justiça. Nessa altura conhece o grande poeta Manuel González Prada (1848-1919), ativista político que o conduz ao socialismo. Graças a um amigo, que partilha com ele uma passagem de navio na terceira classe, parte em 1928 para a Europa e vai viver em Paris, onde conhece vultos importantes como Antonin Artaud, Jean Cocteau e Pablo Picasso, tendo este último feito um retrato seu, sobre estêncil, que se tornou icônico [vide acima].  Esses conhecimentos intelectuais, no entanto, em nada facilitam sua subsistência, e seu dia-a-dia é de penúria, morando em cômodos inóspitos com a fiel amante Georgette Philipart, que compartilha de sua miséria. Um pequeno emprego numa gráfica permite a subvida ínfima do casal. Sua inclinação política leva-o a visitar, a convite, duas ou três vezes a Rússia, sem que isto lhe traga qualquer proveito material, continuando a levar, até o fim de sua vida, em 1938, aos 46 anos, uma existência de desterrado, em cômodos sem luz nem calefação. Vallejo nunca mais voltou ao Peru.

Aqui vão mais três poemas dele: Idílio Muerto, o que leva apenas o número XIII (ambos de Trilce) e o estranho Piedra Negra Sobre una Piedra Blanca (de Gleba, 2ª parte de Nómina de Huesos [1923-1936], póstumo); porém o que eu mais gostaria (já tentei) traduzir seria o primeiro (homônimo) de Los Heraldos Negros, que começa “Hay golpes en la vida tan fuertes… Yo no sé!” em que há, aquele verso aparentemente intraduzível em português: “de algún pan que en la puerta del horno se nos quema“ . Não consegui encontrar uma saída (métrica) para o “se nos quema” (seria: que na porta do forno deixamos queimar, que deixamos queimar na porta do forno, que se queima à porta do forno, etc.), construção com verbo pronominal que também existe em português: que se nos queima, mas que soa demasiadamente acadêmico, traindo o coloquialismo de Vallejo. Os leitores mais afoitos que se empenhem…

vallejo-livros

IDILIO MUERTO

 

Qué estará haciendo esta hora mi andina y dulce Rita
de junco y capulí;
ahora que me asfixia Bizancio, y que dormita
la sangre, como flojo cognac, dentro de mí.

Dónde estarán sus manos que en actitud contrita
planchaban en las tardes blancuras por venir;
ahora, en esta lluvia que me quita
las ganas de vivir.

Qué será de su falda de franela; de sus
afanes; de su andar;
de su sabor a cañas de mayo del lugar.

Ha de estarse a la puerta mirando algún celaje,
y al fin dirá temblando: «Qué frío hay… Jesús!»
y llorará en las tejas un pájaro salvaje.

César Vallejo, 1918

 

IDÍLIO MORTO   

Que estará fazendo agora minha andina e doce Rita
de junco e capulim,
agora que Bizâncio me sufoca e que dormita
o sangue como frouxo conhaque dentro de mim.

Onde estarão as mãos na atitude contrita
de engomar todas tardes brancuras do porvir;
agora, que esta chuva me interdita
o anseio de existir.

Que será de sua saia de flanela, de seus
afãs, de seu andar,
daquele seu sabor de canas do lugar.

Há de estar bem à porta contemplando a paisagem;
dirá por fim tremendo: “Que frio faz… Meu Deus!”
e chorará nas telhas um pássaro selvagem.

 

XIII

Pienso en tu sexo.
Simplificado el corazón, pienso en tu sexo,
ante el hijar maduro del día.
Palpo el botón de dicha, está en sazón.
y muere un sentimiento antiguo
degenerado en seso.
Pienso en tu sexo, surco más prolífico
y harmonioso que el vientre de la Sombra,
aunque la Muerte concibe y pare
de Dios mismo.

Oh Conciencia,
pienso, sí, en el bruto libre
que goza donde quiere, donde puede.

Oh, escándalo de miel de los crepúsculos.
Oh estruendo mudo.
¡Odumodneurtse!

XIII

Penso em teu sexo.
Simplificado o coração, penso em teu sexo,
ante o filhar maduro do dia.
Palpo o botão de dita, está maduro,
e morre um sentimento antigo
degenerado em siso.

Penso em teu sexo, sulco mais prolífico
e harmonioso do que o ventre da Sombra,
embora a Morte conceba e paira
do próprio Deus.

Oh, Consciência,
penso, sim, no bruto livre
que goza aonde quer, aonde pode.

Oh, escândalo de mel desses crepúsculos.
Oh, estrondo mudo.
!Odumodnortse!

 

PIEDRA NEGRA SOBRE UNA PIEDRA BLANCA

Me moriré em Paris con aguacero,
un día del cual tengo ya el recuerdo.
Me moriré en Paris – y no me corro –
talvez un jueves, como hoy, de otoño.

Jueves será, porque hoy, que proso
estos versos, los húmeros me he puesto
a la mala y, jamás como hoy, me he vuelto,
con todo mi caminho, a verme solo.

César Vallejo há muerto, le pegaban
todos sin que él les haga nada;
le daban duro con un palo y duro

tambien con una soga; son testigos
los días jueves y los huesos húmeros,
la soledad, la lluvia, los caminhos…

 

PEDRA NEGRA SOBRE UMA PEDRA BRANCA

Morrerei em Paris com aguaceiro,
num dia de que até já bem me lembro.
Morrerei em Paris – e não me movo –
numa quinta, como a de hoje, no outono.

Será quinta, porque hoje, quinta, pro-
so estes versos, os úmeros me causam
mal, e jamais como hoje me levaram,
com todo o meu caminho, a ver-me só.

Morreu Cesar Vallejo, que espancavam
todos sem que ele lhes fizesse nada;
lhe davam duro com porrete e rijo

também com uma corda,  testemunhas
são os dias de quinta  e os ossos úmeros,
a solidão, a chuva, e os caminhos.

 

Nota: este poema, como a maioria dos versos espanhóis, é feito com rimas soantes, ou seja, só as vogais finais coincidem; assim, aguacErO/recuErdO // cOrrO/otOñO. O problema surgiu na 2ª quadra, com prOsO e sOlO, pois em português “só” tem apenas uma sílaba. Para obter a rima, tive que partir a palavra prO-so (do verbo prosar, escrever), no que se denomina rima quebrada.

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