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Archive for maio \31\-03:00 2014

– um conto (ensaio) de GEORGE ORWELL traduzido por Ivo Barroso

Shooting an Elephant George Orwell

 Em Moulmein, na baixa Birmânia, eu era odiado por um número considerável de pessoas – única vez em minha vida que cheguei a ser importante ao ponto de isso acontecer comigo. Desempenhava na cidade as funções de oficial de polícia de uma subdivisão, e o sentimento antieuropeu ali, embora de uma forma inobjetiva e secundária, era de fato muito virulento. Ninguém tinha coragem suficiente para provocar distúrbios, mas se por acaso uma senhora europeia saía a percorrer sozinha os bazares da cidade, provavelmente um nativo qualquer lhe espirraria suco de bétel no vestido. Como oficial de polícia, eu estava na mira permanente da população e era ludibriado em todas aquelas situações que me pareciam plausíveis de inspirar confiança. Quando um daqueles ágeis birmaneses cometia uma falta contra mim no futebol e o juiz (outro birmanês) fingia não ter visto o lance, a assistência delirava em gritos hediondos de prazer. Isso acontecia com frequência. Até que por fim, as fisionomias zombeteiras da gente moça que eu via por todos os cantos (os insultos e apupos começavam quando eu já estava a uma distância segura), acabaram por me causar mal aos nervos. Os jovens sacerdotes budistas eram os piores. Havia alguns milhares deles na cidade e todos pareciam estar unicamente empenhados em se postar nas esquinas para ridicularizar os europeus.

Tudo isso era bastante desagradável e perturbador. Pois àquela altura eu me havia convencido de que o imperialismo era uma coisa má e, quanto mais cedo deixasse o meu serviço e caísse fora, tanto melhor seria para mim. Teórica e secretamente – é claro – eu abraçava a causa dos nativos e desdenhava os ingleses que os oprimiam. E quanto às funções que exercia, eu as odiava com muito mais rancor do que talvez possa expressar aqui. Numa função como aquela, o indivíduo pode observar a cada passo os malefícios do Império. A miserabilidade dos prisioneiros amontoados nas infectas celas das casas de detenção, as faces desoladas e temerosas dos condenados a penas muito longas, o lombo marcado daqueles que haviam sido açoitados com bambus – tudo isso me oprimia com um sentimento de culpa intolerável. Mas eu não não tinha nada em perspectiva. Era muito moço e de poucos estudos e fora forçado a resolver meus problemas dentro daquele absoluto silêncio que é imposto a todo inglês que se encontra no Oriente. Não sabia nem mesmo que o Império britânico estava prestes a agonizar, nem muito menos que esse mesmo Império era em grande parte muito melhor do que os outros mais novos que estavam caminhando para suplantá-lo. Tudo que sabia era que estava indeciso entre a aversão pelo Império a que eu servia e a minha ira contra aqueles pequenos animais endemoninhados que tudo faziam para tornar o meu trabalho impossível. Uma parte do meu pensamento considerava o protetorado inglês como uma ferrenha tirania, como algo assentado definitivamente, per saecula saeculorum, acima da vontade dos povos submissos; a outra parte ficava pensando que a melhor coisa do mundo seria enterrar uma baioneta na pança de um daqueles sacerdotes budistas. Sentimentos como esses constituem os subprodutos normais do imperialismo; pergunte a qualquer oficial anglo-indiano, se conseguir apanhá-lo fora de seu posto. Certo dia, aconteceu uma coisa que, embora de maneira indireta, foi reveladora para mim. O incidente em si era de somenos importância, mas servia para me dar uma visão melhor sobre a verdadeira natureza do imperialismo — sobre os motivos reais que determinam a ação dos governos despóticos. Às primeiras horas da manhã, o subinspetor de um posto policial, localizado no outro extremo da cidade telefonou-me informando que um elefante estava destruindo o bazar. Poderia eu por acaso dar um pulo por lá e fazer alguma coisa?

Não tinha ideia do que poderia fazer, mas queria presenciar o que estava acontecendo e então montei num pônei e segui para lá. Levei meu rifle, uma velha Winchester 44, fraca demais para matar um elefante, mas achava que o estampido da mesma seria útil em caso de pânico. Vários nativos fizeram-me parar no caminho para relatar as proezas do animal. Em verdade, não se tratava de um elefante selvagem, mas de um animal domesticado que fora acometido de frenesi. O dono do elefante o havia acorrentado, como é de hábito fazer com os animais frenéticos, mas na noite anterior o bicho conseguira arrebentar as cadeias e fugir. Seu condutor, o cornaca que era a única pessoa capaz de controlá-lo quando ele estava assim, partira em sua perseguição, mas como tomara um rumo errado, achava-se naquele momento a vinte horas de caminhada dali, e justamente naquela manhã o elefante reapareceu subitamente na cidade. A população birmanesa não possuía armas e nada podia fazer contra ele. O animal já havia destruído uma cabana de bambu, matado uma vaca e derrubado alguns tabuleiros de frutas, devorando-lhes o conteúdo; além do mais, encontrara na estrada a carroça de lixo da municipalidade e, quando o chofer pulou fora e deu nos calcanhares, o paquiderme tombou a carroça e infligiu violências ao veículo.

O subinspetor birmanês e alguns guardas indianos estavam à minha espera nas imediações do local onde o elefante fora visto. Era um quarteirão miserável, verdadeiro labirinto de fragilíssimas cabanas de bambu cobertas com folhas de palmeira, coleando ao longo de uma colina escarpada. Recordo-me que foi numa dessas manhãs abafadas, com o céu coberto de nuvens, já na entrada da estação chuvosa. Começamos interrogando os nativos para onde teria ido o elefante e, como de hábito, não conseguimos obter nenhuma informação definitiva. Isso é regra geral no Oriente; um relato qualquer nos soa claro e preciso à distância, mas quanto mais vamos nos aproximando do local dos acontecimentos, tanto mais vago ele se torna. Alguns disseram que o elefante havia tomado um certo rumo, outros asseguravam que seguira para rumo oposto, outros ainda fingiam nunca terem ouvido falar de qualquer elefante. Eu estava quase achando que aquela história toda não passava de um amontoado de mentiras quando ouvimos gritos que vinham das proximidades. Em seguida, vozes altas e amedrontadas que diziam. “Vai pra dentro, menino! Vamos logo pra dentro”; e nisso apareceu uma velha com uma vara na mão, vindo de trás dos casebres, a enxotar um bando de crianças nuas. Algumas outras mulheres vinham logo após, dando muxoxos e se lamentando; decerto ali havia alguma coisa que as crianças não deviam ter presenciado. Contornei o casebre e deparei com o cadáver de um homem estatelado na lama. Era um cule indiano, um negro drávida, praticamente nu, cuja morte havia ocorrido nada mais do que a poucos minutos. Os nativos disseram que o elefante, vindo de trás dos casebres surpreendera-o, agarra-o com a tromba, atirara-o ao chão e com a pata enterrara-o na lama. Como era na estação chuvosa, o terreno estava muito macio e a cara do homem havia cavado um buraco de uns trinta centímetros de fundura por cerca de meio metro de comprimento. Estava de barriga para baixo, com os braços abertos em cruz e a cabeça acentuadamente torcida para um dos lados. A cara coberta de lama, os olhos arregalados, os dentes à mostra e apertados numa expressão de insuportável agonia. (A propósito, não me venham falar que os mortos têm aparência tranquila. A maioria dos cadáveres que  vi tinham uma expressão demoníaca.) A fricção da enorme pata do animal arrancara-lhe a pele das costas com tanta facilidade com que tiramos a pele de um coelho. Logo que vi o cadáver mandei um ordenança à casa de um amigo meu que morava por perto a fim de me trazer emprestado um rifle maior, próprio para a caça de elefantes. Também o pônei, já o havia mandado de volta, não querendo que ele se enfurecesse e ao pressentir o cheiro do elefante e me derrubasse da sela.

O ordenança regressou dali a poucos minutos trazendo o rifle que eu havia pedido, juntamente com cinco cartuchos e, nesse ínterim, alguns birmaneses que chegaram foram nos informando de que o elefante estava lá embaixo, nas plantações de arroz, a poucas centenas de metros dali. Tão logo me encaminhei para lá, praticamente a totalidade da população do bairro abandonou as casas e veio atrás de mim. Tinham visto o rifle e foram logo propalando que eu ia matar o elefante. Enquanto o animal estava destruindo as suas cabanas não lhes havia despertado o menor interesse, mas agora que ia ser caçado a coisa mudava de figura. O fato constituía numa pequena dose de divertimento para eles, da mesma forma como o teria constituído para uma população inglesa; além do mais, estavam pensando na carne do animal. Isso me pôs um tanto sem jeito. Não tinha a menor intenção de matar o elefante -– mandara buscar o rifle para me defender, caso necessário — e não há coisa mais enervante que sermos seguidos por uma verdadeira multidão. Fui caminhando pelo morro abaixo, parecendo (e me sentindo) um tolo, com o rifle apoiado ao ombro e um sempre crescente exército de pessoas se acotovelando aos meus calcanhares. Lá embaixo do morro, tendo deixado para trás o aglomerado das cabanas, corria uma estrada de cascalhos e, além dela, numa extensão aproximada de um quilômetro, as alagadas plantações de arroz, ainda não inteiramente mergulhadas na água, mas já inundadas pelas primeiras chuvas e salpicadas por touceiras de capim comum. O elefante estava a uns dez metros da estrada, de costas para nós. Não deu a mínima para a chegada da multidão. Estava arrancando moitas de capim com a tromba, batia-as de encontro aos joelhos para limpá-las do barro e socava-as para dentro da boca.

Ao chegar à estrada, detive-me. Assim que vi o elefante, percebi com a mais perfeita certeza que não tinha de matá-lo. É uma coisa muito séria isto de matar um elefante operativo -– seria o mesmo que destruir um maquinário possante e de alto valor industrial — e ninguém decerto iria chegar àquele extremo caso fosse possível evitá-lo. E, à distância, tranquilamente se alimentando, o elefante não parecia encerrar maior periculosidade do que uma simples vaca. Pensei logo, naquele momento, e continuo achando até hoje, que o ataque frenético do animal já havia passado por completo; nesse caso, ele ficaria meramente passeando por ali sem causar maiores danos, até que o cornaca aparecesse para capturá-lo. Além de tudo, eu não estava com a mínima vontade de matá-lo. Decidi comigo, então, que o observaria por alguns instantes para me certificar de que não se enfureceria novamente, para em seguida voltar para casa.

Nesse preciso momento, olhei para trás em direção da turba que me havia seguido. Era uma multidão imensa, umas duas mil pessoas pelo menos, e aumentando à medida que passavam os minutos. Perfilavam-se por um longo trecho da estrada afora, postados na outra margem do caminho. Vi um mar de faces amarelas a encimar aquela imensidade de roupas espalhafatosas — fisionomias felizes e excitadas diante daquela imprevista diversão, todos absolutamente seguros de que o elefante ia ser morto. Estavam de olhos fitos em mim, como se eu fosse um prestidigitador de feira, prestes a executar um passe de mágica. Habitualmente não tinham a menor simpatia por mim, mas com aquele rifle encantado nas mãos passei momentaneamente a ser digno de atenção. E de repente dei por mim que teria de matar o elefante apesar de tudo. Os nativos esperavam que eu o fizesse e eu tinha de fazê-lo; podia sentir aqueles dois mil desejos iguais empurrando-me para a frente, irresistivelmente. E foi naquele exato momento, enquanto estava ali de pé com um rifle na mão, que pela primeira vez eu me dei conta do vazio e da inutilidade do domínio do homem branco no Oriente. Pois lá estava eu, o homem branco de arma na mão, defronte da turba de nativos desarmados — o aparente ator principal de alguma peça; mas, na realidade, eu não passava de um absurdo títere manipulado pela vontade daquelas faces amarelas à minha retaguarda. Percebi naquele momento que quando o homem branco se torna tirano o que ele destrói é a sua própria liberdade. Torna-se numa espécie de boneco oco e afetado, na figura convencional de um sahib. Pois sua própria lei de domínio o condiciona a passar a vida tentando impressionar os “nativos”, de modo que nas circunstâncias criticas terá de fazer o que os “nativos” esperam dele. Usa uma máscara, e sua face acaba por se adaptar a ela. Assim, eu tinha de matar o elefante. Havia-me comprometido a fazê-lo desde quando mandei buscar o rifle, Um sahib tem que agir como um sahib, tem a obrigação de apresentar-se resoluto, saber o que quer e agir de maneira concreta. Chegar àquele ponto, já com o rifle nas mãos, com duas mil pessoas caminhando a meu encalço, para depois voltar frouxamente, sem ter feito nada — não, tal coisa não era mais possível. A multidão iria rir-se de mim. E a minha vida inteira, a vida de cada homem branco no Oriente, era uma luta tenaz para não ser motivo de riso.

Mas eu não queria mesmo matar o elefante. Via-o batendo o punhado de mato contra os joelhos, com aquele ar preocupado e avoengo que os elefantes têm. Pareceu-me que matá-lo seria um crime. Naquela idade eu não tinha melindres em matar animais, mas nunca tinha matado um elefante nem jamais queria fazê-lo. (De qualquer forma, sempre parece pior matar um animal de grande porte). Além do mais, era necessário pensar no dono do animal. Vivo, o elefante valia pelo menos umas cem libras; morto, não valeria mais do que o preço de suas presas, umas cinco libras, se muito. Mas tinha que agir com rapidez. Voltei-me para alguns birmaneses que me pareciam traquejados e que já estavam por ali quando chegamos, e perguntei-lhes o que achavam do procedimento do animal. Todos disseram a mesma coisa; se o deixassem em paz, ele não perturbaria ninguém, mas atacaria decerto se alguém se aproximasse dele.

Eu sabia perfeitamente o que devia fazer, Tinha que andar, digamos, uns vinte e cinco metros em direção do elefante, a fim de pôr à prova as suas reações. Se ele atacasse, eu poderia matá-lo; se permanecesse tranquilo, era só deixá-lo ali e aguardar a chegada do cornaca. Mas embora soubesse disso, acabei não fazendo tal coisa. Eu não atirava lá muito bem de rifle e o terreno ali era lama pura, onde a gente se afundaria a cada passo. Se o elefante atacasse e eu errasse o tiro, minha chance não seria maior do que a de um sapo sob um rolo compressor. Mas até então não estava pensando particularmente em minha própria pele, mas naquelas faces amarelas que me observavam à retaguarda. Pois naquele momento, com aquela multidão me observando, eu não sentia medo, na acepção ordinária da palavra, como teria sentido se estivesse sozinho. Um homem branco não pode mostrar-se amedrontado diante dos “nativos’; e assim, de um modo geral, ele não se sente amedrontado. A única ideia que me passava pela cabeça era a de que, se alguma coisa desse errado, aqueles dois mil birmaneses me veriam ser perseguido, agarrado, atirado ao chão e reduzido a um cadáver com os dentes arreganhados como o do indiano lá no alto do morro. E se isso acontecesse era muito provável que muitos deles haveriam de rir. Isso não podia acontecer.

Só havia uma alternativa. Introduzi os cartuchos no cano do rifle e estendi-me na estrada para uma posição melhor de tiro. A multidão fez um profundo silêncio, e um suspiro baixinho e contente, como o de uma plateia que vê o pano subir afinal, desprendeu-se de inúmeras gargantas. Iam ter por fim a diversão que esperavam. O rifle era uma bela arma alemã, com visor de precisão. Nessa época eu não sabia que para matar um elefante é necessário ter-se em mira uma linha imaginária que corta de um ouvido ao outro do animal. Eu devia, portanto, já que o elefante estava meio de lado, fazer a mira diretamente dentro do ouvido; mas na verdade apontei a alguns centímetros à frente, pensando que os miolos do bicho ficassem localizados naquela direção frontal.

Quando puxei o gatilho, não ouvi o estampido nem senti o coice — nunca se percebem essas coisas quando o tiro acerta — tudo o que ouvi foi o diabólico uivo de regozijo que se levantou da multidão. Naquele instante, numa fração brevíssima de tempo, ter-se-ia julgado, embora sabendo-o atingido pela bala, que uma terrível e misteriosa mudança estava ocorrendo com o elefante. Ele não se moveu nem tombou, mas cada linha de seu corpo sofrera uma transformação. Parecia arriado, encolhido, imensamente velho, como se o terrível impacto da bala o tivesse paralisado sem o deitar por terra. Por fim, depois do que pareceu um tempo imenso — deve ter sido uns cinco segundos, se tanto — ele derreou as pernas frouxamente. A baba saía-lhe da boca. Uma senilidade desmedida parecia ter-se abatido sobre ele. Dava a impressão de contar centenas de anos. Atirei de novo no mesmo lugar. Ao segundo tiro, ainda não sucumbiu, mas ergueu-se nos joelhos com desesperada lentidão e ficou molemente de pé, com as pernas bambas e a cabeça descaída. Dei um terceiro tiro. Foi esse que o liquidou. Podia ver-se a agonia sacudir-lhe o corpo inteiro e arrancar-lhe das pernas o último resquício de forças. Ao cair, pareceu por um momento erguer-se no ar, pois à medida em que as patas traseiras vergavam sob ele, o corpo salientava-se para o alto, como uma rocha enorme que tombasse, a tromba erguendo-se para o céu como um tronco de árvore.

Soltou um barrido, pela primeira e última vez. E então veio caindo, com a pança voltada em direção a mim, provocando um estrondo que pareceu tremer o solo até o lugar onde eu me achava.

Levantei-me. Os birmaneses passaram correndo por mim em direção do charco. Era óbvio que o elefante já não se ergueria mais, embora não estivesse ainda morto. Estava respirando forte e ritmicamente em longos e estrepitosos arquejos, o grande volume lateral do ventre erguendo-se e baixando dolorosamente. A boca estava arreganhada — podia ver-se lá dentro cavernas de uma goela rosa-claro. Esperei longamente para ver se ele morria; mas a respiração não esmoreceu. Por fim disparei os dois últimos tiros na altura do lugar em que julguei devia estar seu coração. Um sangue grosso jorrou-lhe das entranhas como se fora um veludo vermelho, mas mesmo a assim ele não morreu. Seu corpo nem estremecia ao receber os tiros, e a tortuosa respiração prosseguia sem pausa. Estava morrendo, lentamente, numa grande e vagarosa agonia, mas num mundo remoto, longínquo de mim, onde nenhuma bala poderia causar-lhe maior dano. Senti-me no dever de acabar com aquele estertor angustioso Era desagradável ver-se aquele animal imenso caído ali sem forças para mover-se, condenado à morte, e ficar-se incapaz de fazer algo para acabar com ele. Mandei buscar de volta o meu rifle menor e comecei a disparar tiros e mais tiros no coração e na garganta do animal. Não pareciam causar o menor resultado. Os arquejos angustiados continuavam regulares como as batidas de um relógio.

Por fim não pude aguentar mais e fui embora. Mais tarde soube que o elefante levou meia hora para morrer. Os nativos começaram a trazer cestas e alguidares mesmo antes de eu me haver retirado, e mais tarde me disseram que haviam descarnado o bicho quase aos ossos, até pouco antes de cair a noite.

Posteriormente, é claro, travaram-se discussões intermináveis a propósito da morte do elefante. O dono do animai estava furioso, mas como não passava de um simples indiano, ficou sem poder fazer coisa alguma. Além do mais, eu havia procedido de maneira inteiramente legal, pois um elefante frenético deve ser morto, assim como um cão danado, se o dono não consegue controlá-lo. Entre os europeus, as opiniões se dividiam. Os velhos achavam que eu havia procedido com acerto; os mais jovens, que era uma grande estupidez matar um elefante só porque ele havia massacrado um cule imigrante, já que um elefante vale infinitamente mais do que um miserável cule drávida. E a bem dizer eu estava muito alegre pelo fato de o cule haver sido morto; isso me colocava dentro dos preceitos legais e oferecia-me pretexto suficiente para matar o elefante. E não raro eu me perguntava  se os outros tinham percebido que eu só fizera aquilo para não passar por imbecil. (1936)

(Publicado originalmente na revista SENHOR, número 7, de agosto de 1959)

 

 

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(uma historinha divertida só para variar)

 mercado4

        A senhora estava na fila do supermercado e quando chegou sua vez começou a colocar as compras sobre o balcão da caixa que, tendo atendido o cliente anterior, estava agora num papo animado com sua colega que fazia os embrulhos. A senhora esperou um pouco, olhou insistente tentando marcar presença, mas a caixa (Josenilda? Odicléia? Marinalva?) continuava a narrar, com detalhes explícitos, a festinha de que havia participado no dia anterior. A senhora empurrou as compras para frente, limpou afetadamente a garganta, e disse:

— Está tudo aí.

        Josenilda (?) nem por isso. Ou melhor, pegou a primeira compra e levou algum tempo tentando fazer com que o clique da leitura ótica acertasse no alvo magnético do queijo de Minas. E o papo continuava. Até que – previsível – enganou-se na digitação e teve que chamar o gerente para corrigir a entrada absurda em que o preço de um produto apareceu na telinha multiplicado por dez. Ele veio, enfiou um cartão na faixa de leitura e digitou, sem olhar para os circunstantes, seu código mágico que apaga os peccata mundi.

        Quando Odicléia (?), cada vez mais empolgada com sua narrativa, que agora já era partilhada pela cliente seguinte à senhora da vez, enganou-se novamente e gritou:

— Caixa 1, correção,

a senhora, diante da chegada do mágico impassível com sua varinha de condão, acabou dizendo:

— Isto assim não vai acabar nunca. Também você não presta atenção ao que está fazendo; não para de falar o tempo todo…

        O miraculoso gerente acordou de seu mundo encantado e fez uma cara de quem, que chato! precisava tomar uma atitude diante da reclamação. Foi quando a senhora de trás, tomando as dores de Marinalda (?), disse:

— Que implicante! A moça também é gente, tem direito de falar, de rir, de brincar com os colegas. Não pense que ela é uma máquina que está aí só para atender as pessoas. A senhora está é com inveja da festinha dela…

        Como não estávamos presentes, nem o leitor nem eu, ficamos indecisos como reagir. De um modo geral, com a tendência de relaxamento a que estamos nos acostumando, certamente acabaríamos dando razão às duas: A caixa não precisa ficar em silêncio, mas por outro lado não pode deixar de prestar atenção ao que faz, pois é paga para isso. A senhora tem direito de reclamar, mas fazendo-o na frente do desperto gerente pode estar pondo em risco o emprego da moça, o que, nos dias atuais, etc. etc.

        Esse tipo de comportamento está nos levando a uma atitude cada vez mais passiva: não sabemos reclamar nossos direitos com medo de afetar os direitos alheios. Quando todo mundo está de acordo em reclamar alguma coisa, chamamos a isso protesto. Quando só alguns insistem em reclamar, a coisa passa a ser apenas implicância. Em se tratando de protesto, protesto coletivo, então, o fracasso é certo. Recentemente recebi por e-mail uma convocação para o Dia Nacional do Protesto. Devia vestir-me de preto ou colocar uma faixa preta na minha janela para atestar que eu, como milhares de cidadãos, estávamos completamente revoltados com a pouca vergonha de nossos políticos. Retransmiti o convite aos inscritos na minha lista de endereços. Todos estávamos de acordo em que devíamos protestar. No tal dia, me esqueci de colocar a faixa na janela e saí também vestido com uma cor qualquer. Quando me lembrei, na rua, percebi que não havia ninguém, ninguém, vestido de preto, que as janelas estavam livres de “fumos”, que nem os sapatos eram pretos, pois todos passavam de sandália havaiana a caminho do mar.

        Não escondo, porém, minhas implicâncias, que são todas de caráter linguístico. Implico solenemente com a generalização do emprego do “lhe” (eu lhe vi, posso lhe ajudar, etc.), que foi institucionalizado por uma novela da televisão. Como o grande público toma a TV como padrão de comportamento e adere imediatamente a qualquer imbecilidade que aparece na telinha, nossos “âncoras” e comentaristas deviam ter mais respeito com a língua e não confundir “este” com “esse”, por exemplo. Na linguagem falada, de todo dia, vá lá; mas numa apresentação televisiva, seria conveniente usar-se a linguagem padrão. Está em moda agora, suprimir-se a preposição em frases como “o livro que eu mais gosto”, modificando a regência do verbo, e já vi até mesmo “intelectuais” aderirem ao modismo só para posarem de modernos. De repente, passaram a dizer “acont´ceu”, suprimindo o “e”, como se no português do Brasil já tivéssemos o “e” mudo. É comum ouvir-se “trangênico” em vez de “transgênico”, dito até mesmo por autoridades do ramo agrícola. E chega a haver dirigentes que resolveram abolir o “s” plural da maioria das palavras, em homenagem ao supremo chefe… Mas isso são meras implicâncias…

 (Publicado no Jornal do Brasil – Caderno B – de 28 de maio de 2005)

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Por pura arte de Láquesis, fui parar na Holanda, onde atuei de 1968 a 1970 como Adido Comercial da Embaixada do Brasil na Haia (Den Haag, em neerlandês). Além do estimulante trabalho de divulgador de nossos produtos exportáveis, atividade que me levava a conhecer as várias regiões do país, tive a oportunidade de desfrutar de extenso leque cultural, abrangendo os famosos museus holandeses e suas magníficas orquestras sinfônicas. Foi quando ouvi pela primeira vez as sinfonias de Mahler, que o maestro Bernard Haitink estava revivendo no reconstruído (1966) teatro De Doelen, de Rotterdam, dotado da melhor acústica que havia na época. Em Amsterdam, além do Concertgebouw, havia o imperdível museu de Van Gogh, o Rijkmuseum e, ali perto em Otterlo, o Kröller-Müller, com a segunda maior coleção de obras desse gênio, tais os expressivos “Comedores de batatas” (Aardappeleters), de que adquiri algumas reproduções. Mas não precisava sair da Haia para me deparar com os grandes mestres da pintura holandesa. Lá estava o Gemeentemuseum (Museu municipal), onde se podiam ver os quadros de Piet Mondrian, e, enfileiradas em ordem cronológica, as várias transformações por que passou sua árvore impressionista até chegar à sua versão final, cubista, em quadradinhos. Mas o sumo do sumo era mesmo a Mauritshuis (Casa de Maurício de Nassau), onde, entre outras preciosidades, estava exposta a obra-prima de Jan Vermeer, “Vista de Delft” (Gesicht op Delft), que – obviamente como a todo mundo – me fascinou a ponto de ir visitá-la com frequência. Quando estava para voltar ao Brasil, adquiri uma bela reprodução (53X55cm) do quadro, que me acompanhou em todas as minhas deslocações e hoje adorna o hall de meu apartamento no Leblon.

Portanto, muito tempo antes de ler Proust – que li mal, fragmentariamente, e nunca ao todo, na verdade – eu já achava razão em sua célebre frase escrita numa carta a seu amigo Jean-Louis Vaudoyer (Correspondance, tome XX):“La vue de Delft est le plus beau tableau du monde”. E só voltei a me interessar por ele, Proust, quando surgiu, já em fins do século XX, o curioso debate sobre o que seria o “petit pan de mur jaune”, no quadro de Vermeer. O que deu origem a esse debate foi um trecho de “Em busca do tempo perdido”, encontrado no 5º tomo (La Prisonnière), que narra a morte do escritor Bergotte. Ei-lo no original e na tradução de Manuel Bandeira:

« … un critique ayant écrit que dans la Vue de Delft de Ver Meer (prêté par le musée de La Haye pour une exposition hollandaise), tableau qu’il adorait et croyait connaître très bien, un petit pan de mur jaune (qu’il ne se rappelait pas) était si bien peint, qu’il était, si on le regardait seul, comme une précieuse œuvre d’art chinoise, d’une beauté qui se suffirait à elle-même, Bergotte mangea quelques pommes de terre, sortit et entra à l’exposition. Dès les premières marches qu’il eut à gravir, il fut pris d’étourdissements. Il passa devant plusieurs tableaux et eut l’impression de la sécheresse et de l’inutilité d’un art si factice, et qui ne valait pas les courants d’air et de soleil d’un palazzo de Venise, ou d’une simple maison au bord de la mer. Enfin il fut devant le Ver Meer, qu’il se rappelait plus éclatant, plus différent de tout ce qu’il connaissait, mais où, grâce à l’article du critique, il remarqua pour la première fois des petits personnages en bleu, que le sable était rose, et enfin la précieuse matière du tout petit pan de mur jaune. Ses étourdissements augmentaient; il attachait son regard, comme un enfant à un papillon jaune qu’il veut saisir, au précieux petit pan de mur. « C’est ainsi que j’aurais dû écrire, disait-il. Mes derniers livres sont trop secs, il aurait fallu passer plusieurs couches de couleur, rendre ma phrase en elle-même précieuse, comme ce petit pan de mur jaune. » Cependant la gravité de ses étourdissements ne lui échappait pas. Dans une céleste balance lui apparaissait, chargeant l’un des plateaux, sa propre vie, tandis que l’autre contenait le petit pan de mur si bien peint en jaune. Il sentait qu’il avait imprudemment donné le premier pour le second. « Je ne voudrais pourtant pas, se disait-il, être pour les journaux du soir le fait divers de cette exposition. »
Il se répétait : « Petit pan de mur jaune avec un auvent, petit pan de mur jaune. » Cependant il s’abattit sur un canapé circulaire; aussi  brusquement il cessa de penser que sa vie était en jeu et, revenant à l’optimisme, se dit : « C’est une simple indigestion que m’ont donnée ces pommes de terre pas assez cuites, ce n’est rien. » Un nouveau coup l’abattit, il roula du canapé par terre, où accoururent tous les visiteurs et gardiens. Il était mort. »

Lendo, porém, num crítico, que na Vista de Delft de Ver Meer (emprestada pelo museu de Haia para uma exposição holandesa), quadro que ele apreciava muitíssimo e julgava conhecer em todos os por­menores, havia um panozinho de muro amarelo (de que não se lembrava) tão bem pintado que era como uma preciosa obra de arte chinesa, de uma beleza completa em si mesma, Bergotte comeu umas batatas, saiu de casa e entrou na expo­sição. Logo nos primeiros degraus que teve de subir sentiu umas tonteiras. Passou em frente de alguns quadros e teve a impressão da secura e da inutilidade de uma arte tão factícia, e que não valia as correntes de ar e de sol de um palazzo de Veneza, ou de uma simples casa à beira-mar. Enfim chegou diante do Ver Meer, de que se lembrava como sendo mais luminoso, mais diferente de tudo o que conhecia, mas onde, graças ao artigo do crítico, reparou pela primeira vez numas figurinhas vestidas de azul, na tonalidade cor-de-rosa da areia e finalmente na preciosa matéria do pequenino pano de muro amarelo. As tonteiras aumentavam; não tirava os olhos, como faz o menino com a borboleta amarela que quer pegar, do precioso panozinho de muro. “Assim é que eu de­veria ter escrito, dizia consigo. Meus últimos livros são de­masiado secos, teria sido preciso passar várias camadas de tinta, tornar a minha frase preciosa em si mesma, como este panozinho de muro”. Não lhe passava, porém, despercebida a gravidade das tonteiras. Em celestial balança lhe apare­cia, num prato a sua própria vida, no outro o panozinho de muro pintado de amarelo. Sentia Bergotte que im­prudentemente arriscara o primeiro pelo segundo. “Não gostaria nada, disse consigo, de vir a ser para os jornais da tarde a nota sensacional desta exposição”. Repetia para si mesmo: “Panozinho de muro amarelo com alpendre suspenso, panozinho de muro amarelo”. Nisso deixou-se cair subitamente, num canapé circular; subita­mente também, cessou de pensar que estava em jogo a sua vida e, recobrando o otimismo, disse consigo: “É uma sim­ples indigestão causada por aquelas batatas mal cozidas, não há de ser nada”. Nova crise prostrou-o, ele rolou do canapé ao chão, acorreram todos os visitantes e guardas. Estava morto.

Esta cena, atribuída por Proust a Bergotte, na verdade aconteceu com ele próprio, sem o final fatídico por sorte, mas provavelmente previsto por ele. Em fins de maio de 1921, de acordo com seu biógrafo George Painter, os jornais parisienses anunciaram a exposição no Jeu de Paume de uma coleção de quadros holandeses, cedidos pelo museu da Casa de Maurício, entre os quais estavam a “Vista de Delft” e “A moça com brincos de pérola”, de Vermeer (que Proust grafa Ver Meer). Seus amigos Leon Daudet e Jean-Louis Vaudoyer haviam escrito artigos laudatórios a respeito e, num deles, falava-se de um “pequeno lanço de parede amarelo” no quadro “Vista de Delft”, como sendo “um inestimável espécime de arte chinesa, de uma beleza completa em si mesma”. Proust ficara intrigado, pois julgava conhecer o quadro melhor do que ninguém e, angustioso, deu-se conta de nunca ter atentado para aquele “pedaço amarelo do muro”. Por isso, convocou seu amigo Vaudoyer a levá-lo à exposição e acordou naquele dia às 9 da manhã, hora em que habitualmente ia dormir. Logo à saída, no entanto, sentiu uma espécie de vertigem, mas logo se recuperou e, assistido por Vaudoyer, que lhe notou as mãos trêmulas, pôde ver toda a exposição e, mais ainda, almoçar fora com o amigo. Trabalhando na quinta parte de sua Recherche, Proust transpôs para seu personagem Bergotte não só a angústia da visita à exposição como a frustração de não ter localizado o dramático “pedaço de muro” (ou de parede, mur em francês).

Mas onde estaria localizado, no quadro, o misterioso fragmento amarelo ?

Ao longo do tempo, dezenas de críticos e comentaristas levantaram hipóteses ou preferências sobre sua localização. O quadro vai reproduzido aqui com algumas indicações para você escolher, em sua opinião, a mais provável.

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Traduzida por Ivo Barroso

  John-Keats-001

     John Keats (1795-1821), tido como o último poeta romântico inglês, escreveu sua famosa Ode on a Grecian Urn em 1819, dois anos antes de morrer, aos 26, de tuberculose, na Itália, onde fora em busca de melhores climas. Poesia não se explica, mas esta ode – considerada um dos momentos mais altos do Romantismo inglês — tem sido motivo de acaloradas discussões críticas, com ilustres adeptos tanto favoráveis como contrários aos seus méritos. Seus versos finais (“A beleza é verdade, a verdade beleza”), que a maioria dos comentaristas considera dos mais belos da língua, foram tidos por Eliot como o ponto mais fraco do poema (a blight). A propósito do título: o correto seria mesmo Ode sobre uma urna grega, pois, se Keats quisesse dedicá-la à urna, teria escrito Ode to (e não on). Mas a verdade é que logo nos primeiros versos o poeta fala diretamente a ela, chamando-a  de “Inviolada Noiva do Silêncio” e afirma que, mesmo sem falar (por ser um objeto), ela pode, com suas inscrições, relatar uma história floral mais bela que seus versos. Rigorosamente não se conhece um exemplar de urna grega autêntico, seja em museu ou em livros de arte, que corresponda às duas cenas principais descritas no poema: uma aldeia grega que se prepara para o sacrifício de um novilho e o tocador de flauta junto a um par de amantes no momento que antecede um beijo. Sabe-se do amor de Keats pela literatura e a mitologia gregas e tais cenas poderiam ser tanto frutos de sua imaginativa quanto colagens de fragmentos representativos daquela civilização. Quanto à tradução, fizemo-la em dodecassílabos brancos na tentativa de captar, tanto quanto possível, o sentido e o tom de cada verso.

+énfora - Grega Helen+¡stica

Ode on a Grecian Urn

Thou still unravish’d bride of quietness,

Thou foster-child of silence and slow time,

Sylvan historian, who canst thus express

A flowery tale more sweetly than our rhyme:

What leaf-fring’d legend haunts about thy shape

Of deities or mortals, or of both,

In Tempe or the dales of Arcady?

What men or gods are these? What maidens loth?

What mad pursuit? What struggle to escape?

What pipes and timbrels? What wild ecstasy?

 

Heard melodies are sweet, but those unheard

Are sweeter; therefore, ye soft pipes, play on;

Not to the sensual ear, but, more endear’d,

Pipe to the spirit ditties of no tone:

Fair youth, beneath the trees, thou canst not leave

Thy song, nor ever can those trees be bare;

Bold Lover, never, never canst thou kiss,

Though winning near the goal yet, do not grieve;

She cannot fade, though thou hast not thy bliss,

For ever wilt thou love, and she be fair!

 

Ah, happy, happy boughs! that cannot shed

Your leaves, nor ever bid the Spring adieu;

And, happy melodist, unwearied,

For ever piping songs for ever new;

More happy love! more happy, happy love!

For ever warm and still to be enjoy’d,

For ever panting, and for ever young;

All breathing human passion far above,

That leaves a heart high-sorrowful and cloy’d,

A burning forehead, and a parching tongue.

 

Who are these coming to the sacrifice?

To what green altar, O mysterious priest,

Lead’st thou that heifer lowing at the skies,

And all her silken flanks with garlands drest?

What little town by river or sea shore,

Or mountain-built with peaceful citadel,

Is emptied of this folk, this pious morn?

And, little town, thy streets for evermore

Will silent be; and not a soul to tell

Why thou art desolate, can e’er return.

 

O Attic shape! Fair attitude! with brede

Of marble men and maidens overwrought,

With forest branches and the trodden weed;

Thou, silent form, dost tease us out of thought

As doth eternity: Cold Pastoral!

When old age shall this generation waste,

Thou shalt remain, in midst of other woe

Than ours, a friend to man, to whom thou say’st,

“Beauty is truth, truth beauty,—that is all

Ye know on earth, and all ye need to know.” jogador-de-flauta-grego-5256280

ODE A UMA URNA GREGA

Tu ainda inviolada Noiva do Silêncio,

Filha adotiva do Sossego e a Lentidão,

Silvestre historiadora, que exprimir consegues

Um enredo floral mais doce que este canto;

Que lenda engrinaldada em teu redor perpassa

Tecida de deidades ou mortais, ou de ambos,

Junto ao vale de Tempe ou nos vergéis da Arcádia?

Que homens ou deuses são? Que virgens relutantes?

Que afoito perseguir? Que luta na escapada?

Que pífaros e adufes? Que êxtase bravio?

 

É doce ouvir-se a melodia, inda mais doce

A que não foi ouvida; assim, ó suaves frautas,

Plangei; não para o ouvido sensorial, mais caras

Tocai para a nossa alma as músicas sem som:

Ó jovem sob as árvores, não soltarás

Jamais teu canto e nem os ramos suas folhas.

Ousado amante, nunca, nunca hás de beijar

Embora rente de teu alvo — não lamentes;

Ela assim ficará, e embora sem fruí-la,

Amarás para sempre essa beleza eterna!

 

Ditosos ramos, sim, ditosos porque nunca

Ireis secar, nem dar adeus à Primavera;

E tu, afortunado melodista, isone

Hás de entoar canções eternamente novas.

Amor, feliz amor! Feliz mais do que tudo!

Sempre ardente e no entanto sempre indesfrutado,

Sempre à beira da entrega e sendo sempre jovem,

A exultar de paixão humana e transcendente

Que deixa o coração amargurado e opresso,

As têmporas em fogo e a boca ressequida.

 

Quem estes que chegando estão para o holocausto?

A que víride altar, ó sacerdote ignoto,

Conduzes um novilho para os céus mugindo

E o suave flanco inteiro de festões ornado?

Que povo ribeirinho ou junto ao mar que aldeia,

No monte que casal, tal um bastião tranquilo,

Vazio despertou nesta manhã piedosa?

Ah! vilarejo, as tuas ruas para sempre

Desertas estarão; viv’alma por dizer

De tal desolação há de tornar jamais.

 

Ática forma! Sóbria atitude! em guirlandas

De mármore, donzelas e varões enleias

Com ramos da floresta e o joio espezinhado;

Tu, forma silenciosa, abalas-nos a mente

Qual faz a eternidade: ó fria Pastoral!

Quando esta geração o tempo houver tragado,

Tu permanecerás em meio de outras queixas,

Amiga do homem, a quem dirás: “A beleza

É verdade, a verdade beleza” – isto é tudo

Que sabemos na terra e que importa saber.

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