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Archive for dezembro \25\-03:00 2018

EPIFANIA




Quando em Belém nasceu Jesus, o Deus-Menino,
Três magos, sábios reis, tomaram seus camelos
E partiram depressa, indo velozes pelos
Imensos areais, tendo a choça por destino.

Para em caminho certo ao Cristo-Deus trazê-los,
Um astro puro no azul, mui belo e cristalino,
Os guiou, mais veloz que qualquer beduíno,
Para junto do Deus que adoram com desvelos…

Muito ouro, incenso e mirra aos pés da bela criança
Depuseram os reis; e os humildes pastores,
Não tendo incenso ou mirra, ofertam-lhe esperança.

E aquele Deus-Menino, humanizado e mudo,
Em meio à profusão de prendas e louvores,
Talvez risse ou chorasse, indiferente a tudo.

6/1/46


Sim, já é Natal! E a Gaveta deseja aos seus leitores um momento de paz nestes dias conturbados e uma grande esperança para o futuro do país. Que venham os bons tempos!

Como sempre, a Gaveta entrará em recesso por uns dias, embora já tenha permanecido fechada um bom tempo por causa do acidente que imobilizou seu provedor. Mas queremos preservar a praxe e voltaremos em breve com muitas novidades literárias e belas traduções.

[Ney, meu Natal continua vazio, sem sua voz, sem seu abraço.
Você se lembra do Natal
Quando éramos crianças No Herval?
Chovia sempre, chovia;
E olhando pela janela debruçados
Sabíamos que os meninos assustados não viriam.

Você queria sempre os meus presentes
que lhe pareciam mais gordos e atraentes.
Ainda há pouco tive vontade de olhar  pela janela
do nosso tempo de criança,
mas a data não é mais aquela
e é cada vez menor minha esperança.]

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ÚLTIMA CRÔNICA

Maria das Pedras Pimentel

Quando hoje me sentei para escrever esta última crônica, veio-me ao pensamento a lembrança do dia em que me pus a escrever a primeira. E, nos caminhos sempre abertos da memória, desfilaram as várias sensações que me afagavam a cada novo artigo que escrevia, desde a vaidade pueril dos primeiros tempos até o sentido de frustração que vinha acompanhando os últimos: o orgulho do nome impresso com destaque… o anseio de dizer alguma coisa nova… o entusiasmo de que, ás vezes, me tomava ao defender um ideal político … depois o desencanto de não poder imprimir a cada um o que considerava o melhor de mim mesmo, e o tempo, cada vez mais escasso, me levando a produzir sem grande amor, como quem cumpre mera obrigação… Entretanto, não é por fastio que me sento para escrever este último artigo, nem seria a premência de tempo, o fechar do círculo das atividades imediatas, que me levaria a encerrar aqui as minhas atividades jornalísticas. O motivo é outro, e nem lhes quisera dizer por que desejara antes transformar estas últimas linhas numa simples nota, num comunicado lacônico que se presta, ás vezes sem precisão, aos nossos “caros leitores”….

Mas, entre os “caros leitores” há uma a quem não poderia dispensar estas palavras mais sentidas, ou uma certa explicação. Imaginem, amigos, uma velhinha, já bem idosa, de mais de 80 anos, que espera religiosamente este jornal cada semana, para lê-lo e relê-lo várias vezes à cata do artigo do neto, o qual irá saborear o tempo todo até que um outro venha substituir a emoção que aquele lhe causa! Imaginem a vovózínha, depois disso, pedindo ainda a vocês que o leiam outra vez em voz alta, bebendo cada uma das palavras que. ao findarem, serão acompanhadas de exclamações de alegria, de uma devoção que só as vovózinhas idosas ainda são capazes de guardar! Por isso, não poderia deixar essa minha querida leitora sem uma palavra de explicação final.

Eu escrevia, Vovó, não sei se por vocação, amor, vaidade ou satisfação pessoal; mas, em parte, escrevia pelo contentamento de vê-la contente, pelo tão pouco que me custava fazê-la tão feliz. E, ainda que não escrevesse especialmente PARA a senhora, escrevia bem POR sua causa. Pela palavra de carinho que iria ouvir ao fim da página; pelo gesto afetuoso. da mão enquanto ouvia essa leitura; pelo riso amável de quem julga o neto a pessoa mais inteligente deste mundo; para os seus 87 janeiros de amor; para aquela sua vocação para a bondade, para a sua ternura; para os seus olhos de um brilho já distante e angelical, para a doçura de sua presença tão leve; pela amável existência de santa que levava ao pé da gente; pela confiança inexcedível que a senhora depositava em cada um de nós… E a senhora, agora lá no céu, já não precisa mais de ler os meus artigos…

Publicado no Jornal do Povo de Ponte Nova-MG, em 23 de setembro de 1956, e transcrito em “O Poeta, o Tradutor e o Crítico”, organizado por Luciano Sheikk, em 2018, pg. 205.

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CONTO

 CEIA DE NATAL 

Madalena, saibam, era um pato. Trouxera-o algum cliente do Velho, talvez em paga de visitas profissionais ou em reconhecimento de alguma cura mais difícil. Dessa forma soem agradecer, no interior, aos médicos e farmacêuticos, e o presente, uma vez irrecusável pela sua estimativa e singeleza, foi solto no exíguo quintal, com seu destino traçado. O Natal se aproximava e de galináceo a palmípede ia pouca diferença… 

Frequentávamos raramente o quintal. Os brinquedos comprados e não sugeridos pelo nosso espírito de improvisação, já por si, pelo intrincado de suas molas e rodinhas, prendiam-nos mais à casa, às superfícies lisas, ao asseio dos quartos encerados. Mas, vez por outra, a escada do sobrado para o quintal nos era franqueada e, sob uma touceira reduzida, furávamos no barranco os caminhos sinuosos dos nossos “caminhãozinhos” de brinquedo. 

A surpresa de encontrar, assim tão próximo, tão nosso, tão livre de proibições, àquele bicho grasnante, prolongou-se num delicioso encanto através das minhas horas de brinquedo. Era uma coisa viva, independente ao locomover-se, rebelde aos meus propósitos, não condicionado aos caminhos que lhe impunha o meu desejo. Espreitava-o mover-se cauteloso e indeciso à beira da cerca; e eu, detrás dela, para melhor surpreendê-lo em sua vida íntima, deixava-me ficar por longos momentos, quase sem fôlego, evitando o menor ruído que denunciasse ao pato a minha presença inoportuna. Soldadinhos de chumbo, livros de histórias, folguedos e travessuras, tudo fora esquecido pela embevecida contemplação do animal que chegara. Curioso de seu bico oblongo, de seus pés membranosos, dos coleios gentis do pescoço esquisito, era raro o momento em que eu não estava, disfarçado, à socapa, de olhos postos no branco Madalena. 

Não sei que estranha associação de ideias em que entram a indumentária de moças em procissão e fragmentos de lembranças onomásticas, levaram-me a batizar assim o manso palmípede. Sei só que lhe assentei Madalena e Madalena ficou por causa de sua alvura inigualável. Nunca me passara pelos olhos nada tão branco, nada que ferisse tão profundamente a minha noção infantil de pureza. 

O bichinho aos poucos humanizava-se. Já não fugia mais á minha aproximação sorrateira, esvaindo o desencanto que me causara quando, a princípio, se afastava precipite de mim. A bem dizer, agora quase comia à ponta de meus dedos, e sua plumagem, estonteantemente branca, ficava a pouco de minhas mãos guardadas de carinhos. Acostumando-se a comer o que lhe dava, Madalena ingeria os “menus” mais estapafúrdios: pedaços de bola de borracha molhados no mel, castanhas, confeitos, migalhas e azeitonas. Certo, recusava alguns, mas isso servia apenas para que eu fosse buscar outra absurda guloseima, receoso de que ao patinho não lhe apetecessem aquelas. 

Supunha Madalena imperecível em razão de tamanha beleza. Já era como um pequeno ser humano a quem falava e a cujos grasnos desconexos atribuía, na minha doce hermenêutica, os mais reverentes sentidos. Creio, pela sua inquietação, que se ressentia um pouco da aridez de nosso quintal. Olhava atencioso para a torneira da pia escorrendo, e eu lhe adivinhei a nostalgia pelos banhos demorados, pelas águas dos ribeirões a que se acostumara em sua vida primitiva na roça. Quis, por isso, leva-lo comigo a passear, com a intenção flagrante de lhe permitir um banho, talvez no próprio tanque do jardim. No que fui impedido terminantemente por minha mãe, que além do mais argumentava a assustadora frequência com que eu emporcalhava as roupas, metido que estava sempre no quintal, como a pajear a ave. Confusamente ainda percebi, em frases veladas, que tudo aquilo acabaria em breve, que no Natal… 

No Natal, eu fazia seis anos e tinha em casa convidados. Pelas circunstâncias do dia e da hora, voltara momentaneamente aos brinquedos caseiros, à alegria dos novos presentes, dos amigos deslumbrados pela balbúrdia dos tambores e a precisão metralhante das espingardinhas de rolha. 

Súbito, chamaram-nos à ceia e os brinquedos foram também, por instantes, relegados. Mas quando entramos a comer de quanto havia em frutas e salgados do Natal, uma voz, mencionando a carne, fez parar-me quase gelado. 

– É de porco, Maria? 

– Não, mamãe; de pato. 

De pato! E eu, que comia daquilo, num relâmpago, estonteado, compreendi tudo. Lacrimejaram-me os olhos enquanto cuspia no pratinho os restos intragáveis do sacrilégio. Houve transtornos; alguém exprobrou a falta de ética, que não me deviam ter revelado; mas tudo inútil: os soluços já me irrompiam fortes e saí da mesa para me atirar a uma cama qualquer, convulsivo, lutando ainda internamente contra a repugnante ideia, a cada frase de consolo com que pretendiam empanar a realidade. 

Por fim, alguém me disse palavras que me pareceram sinceras: convidava-me a ir até  em baixo no quintal para verificar que lá estava, vivinho, o Madalena. E eu fui, junto desse alguém que levava à mão uma vela, apesar da noite e do medo que o escuro me infundia. Pela escada abaixo, os olhos ainda cheios de lágrimas ainda acreditavam ver o pato em cada desvão que a vela, bruxuleante, alumiava. 

– Está lá no canto da cerca, está vendo? 

Eu forçava os olhos, o coração ansioso por acreditar, a boca num quase a me sorrir. 

– Mas, onde?… Me leva até lá. 

A pessoa titubeou, querendo vencer-me pelo medo. 

– Está escuro agora. Amanhã você vê. 

Deixei levar-me, conformado, esquecendo quase o amargor das dúvidas, na esperança da verificação futura. Mas, ao subirmos as escadas, de volta, junto à porta da cozinha, no caixote de lixo repleto, bem por cima, brancas, desoladoramente brancas, estavam as penas do meu pato, como um clarão no escuro do quintal. 

Publicado no Jornal do Povo, de Ponte Nova-MG, em dezembro de 1953, e transcrito no livro “O Poeta, o Tradutor e o Crítico”, editado por Luciano Sheikk em 2018, às ps.47-48. 

 

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A Gaveta andou emperrada por uns tempos em razão de ter seu provedor sofrido um desagradável acidente no qual quebrou o ombro esquerdo. Agora, passadas mais de cinco semanas, sem braço na tipóia e iniciando as sessões de fisioterapia, volta ele ao teclado para prometer que os leitores não ficarão sem os tradicionais artigos natalinos: um poema referente ao nascimento de Cristo, um conto de Natal e uma crônica (a última) para encerramento do ano.  Aguardem. 

 


HOMENAGEM

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