Quando hoje me sentei para escrever esta última crônica, veio-me ao pensamento a lembrança do dia em que me pus a escrever a primeira. E, nos caminhos sempre abertos da memória, desfilaram as várias sensações que me afagavam a cada novo artigo que escrevia, desde a vaidade pueril dos primeiros tempos até o sentido de frustração que vinha acompanhando os últimos: o orgulho do nome impresso com destaque… o anseio de dizer alguma coisa nova… o entusiasmo de que, ás vezes, me tomava ao defender um ideal político … depois o desencanto de não poder imprimir a cada um o que considerava o melhor de mim mesmo, e o tempo, cada vez mais escasso, me levando a produzir sem grande amor, como quem cumpre mera obrigação… Entretanto, não é por fastio que me sento para escrever este último artigo, nem seria a premência de tempo, o fechar do círculo das atividades imediatas, que me levaria a encerrar aqui as minhas atividades jornalísticas. O motivo é outro, e nem lhes quisera dizer por que desejara antes transformar estas últimas linhas numa simples nota, num comunicado lacônico que se presta, ás vezes sem precisão, aos nossos “caros leitores”….
Mas, entre os “caros leitores” há uma a quem não poderia dispensar estas palavras mais sentidas, ou uma certa explicação. Imaginem, amigos, uma velhinha, já bem idosa, de mais de 80 anos, que espera religiosamente este jornal cada semana, para lê-lo e relê-lo várias vezes à cata do artigo do neto, o qual irá saborear o tempo todo até que um outro venha substituir a emoção que aquele lhe causa! Imaginem a vovózínha, depois disso, pedindo ainda a vocês que o leiam outra vez em voz alta, bebendo cada uma das palavras que. ao findarem, serão acompanhadas de exclamações de alegria, de uma devoção que só as vovózinhas idosas ainda são capazes de guardar! Por isso, não poderia deixar essa minha querida leitora sem uma palavra de explicação final.
Eu escrevia, Vovó, não sei se por vocação, amor, vaidade ou satisfação pessoal; mas, em parte, escrevia pelo contentamento de vê-la contente, pelo tão pouco que me custava fazê-la tão feliz. E, ainda que não escrevesse especialmente PARA a senhora, escrevia bem POR sua causa. Pela palavra de carinho que iria ouvir ao fim da página; pelo gesto afetuoso. da mão enquanto ouvia essa leitura; pelo riso amável de quem julga o neto a pessoa mais inteligente deste mundo; para os seus 87 janeiros de amor; para aquela sua vocação para a bondade, para a sua ternura; para os seus olhos de um brilho já distante e angelical, para a doçura de sua presença tão leve; pela amável existência de santa que levava ao pé da gente; pela confiança inexcedível que a senhora depositava em cada um de nós… E a senhora, agora lá no céu, já não precisa mais de ler os meus artigos…
Publicado no Jornal do Povo de Ponte Nova-MG, em 23 de setembro de 1956, e transcrito em “O Poeta, o Tradutor e o Crítico”, organizado por Luciano Sheikk, em 2018, pg. 205.
muito boa crônica Ivo Barroso,parabéns!
abraço do Milt
MESTRE,
Que maravilha!
Os seus traços faciais muito de sua mãe tem!
Ah, uma observação. Onde está /organizado por Luciano Sheikk, em 2008, pg. 205…. /Alterar para 2018.
Forte Abraço,
Sheikk
Da vovó, portuguesa, da ilha do Corvo.
Já alterei a data pedida