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Archive for abril \16\-03:00 2019

No dia 25.03.2016, ou seja, na Semana Santa de há três anos passados, publiquei aqui na Gaveta  um trecho do belo poema de Miguel de Unamuno sobre o impressionante Cristo, de Velásquez.

Era só uma primeira parte que me apressei em mostrar aos leitores em comemoração daquela data.

Fiz acompanhar aqueles versos de uma apreciação sobre o quadro do mestre espanhol (Diego Velásquez) e também de uma nota sobre o autor do poema (Miguel de Unamuno), que podem (e devem) ser relidas AQUI.

Na Semana Santa de agora, passados três anos e num momento de profunda depressão, animo-me a apresentar aos leitores o texto final do poema, numa tradução dedicada ao meu prestimoso amigo José Carlos Teixeira.

 

ALVA

Branco estás como o céu que, no nascente,

Está a branca alvorada antes que o sol

Surja do limbo da terra que é a noite:

Que alvor de aurora deste à nossa vida

Que retorna da morte em alva, pórtico

Do dia eterno; branco qual a nuvem

Que em coluna guiava no deserto

O povo do Senhor, enquanto o dia

Durava.  Tal como a neve dos cumes

Qual ermitãs, seguras pelo céu,

Donde reverberava sem estorvo o sol;

De teu corpo, cimeira desta vida,

Resvalam cristalinas águas puras,

Espelho claro dessa luz celeste,

Para regar cavernas subterrâneas

Envoltas pelas trevas nos abismos.

Como o pico altíssimo, de noite,

Qual lua que anuncia a alva aos que vivem

Perdidos em barrancos, fossas fundas,

Assim teu corpo níveo, que é o cimo

Da humanidade e é manancial de Deus,

Proclama em nossa noite o eterno alvor!

ORAÇÃO FINAL

Tu que emudeces, Cristo, para ouvir-nos,

ouve de nossos peitos os soluços;

acolhe as nossas queixas, os gemidos

deste vale de lágrimas. A Ti,

Cristo Jesus, clamamos desde o fundo

De nosso abismo de miséria humana,

E Tu, do alto da branca humanidade

Dá-nos a água de tua neve. Águia

Branca que ao voar o céu abarcas,

O teu sangue pedimos; tua vinha,

O vinho que consola ao embriagar-nos;

A Ti, Lua de Deus, o doce lume

Que na noite nos diz que o Sol persiste

E nos espera; a Ti, coluna forte,

Arrimo em que pousar; oh Hóstia Santa,

Te pedimos o pão desta jornada

Para Deus, como esmola; e te pedimos

A Ti, ó Cordeiro de Deus que lavas

Os pecados do mundo, o velocino

De ouro de teu sangue; te pedimos

A Ti, a rosa do sarçal bravio,

A luz que não se extingue, a luz que ensina

Como Deus é quem é; a Ti que és a ânfora

Do divino licor, que o néctar deites

De eternidade em nossos corações.

Traz-nos o reino de teu Pai, ó Cristo,

Que é o reino de Deus, reino do Homem!

Dá-nos vida, Jesus, que é labareda

Que aquece e que alumia e que em pábulo

Encerrado em vasilha se mantém;

Vida que é chama, que no tempo vive

E em ondas, como o rio, se sucede.

***

Avançamos, Senhor, nós, indigentes.

As almas em andrajos, em farrapos

Qual palha que nas eiras revolteia

Quando sobre ela sopra uma rajada,

Envoltos pela tromba tempestuosa

De aguerridas negruras; faz brilhar

Tua brancura, ó caiação da abóbada

Dessa infinita casa de teu Pai

— o lar da eternidade — no caminho

De nossa marcha e da esperança sólida

E sobre nós enquanto exista Deus!

De pé e com os braços bem abertos

E estendida a direita sem descanso.

Faz-nos cruzar a vida pedregosa

– encosta de Calvário – sustentados

Pelo dever dos cravos, e morramos

De pé, qual tu e braços bem abertos

Como Tu, subamos para a glória

De pé, para que Deus de pé nos fale

E com os braços estendidos. Dá-me,

Senhor, que quando ao fim erre eu perdido

Possa da noite tenebrosa

Em que sonhando o coração se ateia,

E me entre no dia que não finda,

Meus olhos fixos no teu claro corpo.

Filho do Homem, completa Humanidade,

Na não-criada luz que nunca morre

Meus olhos fixos em teus olhos, Cristo,

Meu olhar afogado em Ti, Senhor!

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