
OS NOSSOS PEQUENOS PRÍNCIPES
Em 1907, o editor Jorge Schmidt, que já publicava duas revistas semanais a Kosmos e A Careta, decidiu lançar uma terceira, que seria, segundo ele, mais dinâmica, mais em consonância com a modernidade de então. E nada mais adequado para uma publicação com tal escopo que o nome FON-FON, uma espécie de representação gráfica da buzina dos automóveis, símbolo ímpar da agitação das grandes cidades modernas.
A revista cativou o público já no primeiro número, pois conclamava os leitores a participar de um concurso que logo despertou grande celeuma: a eleição do “príncipe dos poetas brasileiros”, a ser escolhido por votação popular. O primeiro, proclamado ainda naquele ano de 1907, foi Olavo (Brás Martins dos Guimarães) Bilac, poeta que desfrutava de enorme prestígio literário em razão de sua obra poética, amplamente divulgada em livros e jornais, e mais ainda por sua atuação patriótica como propagandista do serviço militar obrigatório e do culto à bandeira nacional. O reinando de Bilac durou até 1924, quando novas eleições, igualmente patrocinadas pela FON-FON, consagraram o nome de (Antônio Mariano) Alberto de Oliveira, farmacêutico, pintor e poeta parnasiano que desfrutava de enorme popularidade entre as classes leitoras, membro representativo da Academia Brasileira de Letras. Alberto de Oliveira conservou o título até 1938, quando nova eleição popular, ainda sob a égide da FON-FON, eleva ao principado o poeta, político e diplomata Olegário Mariano (Carneiro da Cunha), que viria a ser conhecido como “o poeta das cigarras”. Em 1958, já agora por iniciativa do jornal CORREIO DA MANHÃ, o concurso popular proclama a figura do modernista Guilherme (de Andrade) de Almeida, grande jornalista, crítico de cinema e conceituado tradutor de poesia, membro da Academia Brasileira de Letras.
O atual detentor do título, sem que tenhamos referência sobre o concurso popular que o teria elegido, é Paulo (Lébeis) Bomfim, poeta, membro da Academia Paulista de Letras, nascido em 1926 e falecido em 2019). Em sua homenagem a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo instituiu, em 2016, um concurso que tem precisamente esse nome: “O Secretário de Educação do Estado de São Paulo, considerando a importância de homenagear o Decano da Academia Paulista de Letras, PAULO BOMFIM o “Príncipe dos Poetas Brasileiros” que completou 90 anos dia 30 de setembro de 2016, institui o Concurso: Paulo Bomfim o “Príncipe dos Poetas Brasileiros” como forma de incentivar a pesquisa e a leitura; valorizar a produção literária de alunos e alunas da rede estadual de ensino; e resgatar o legado do poeta para a literatura brasileira.”


Olavo Bilac (1865-1918) – poeta carioca – príncipe de 1907 a 1924
Via-Láctea
XIII
“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto…
E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”
E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas”.

Alberto de Oliveira (1857-1937) – poeta carioca – Príncipe de 1924 a 1938
VASO CHINÊS
Estranho mimo aquele vaso! Vi-o,
Casualmente, uma vez, de um perfumado
Contador sobre o mármor luzidio,
Entre um leque e o começo de um bordado.
Fino artista chinês, enamorado,
Nele pusera o coração doentio
Em rubras flores de um sutil lavrado,
Na tinta ardente, de um calor sombrio.
Mas, talvez por contraste à desventura,
Quem o sabe?… de um velho mandarim
Também lá estava a singular figura;
Que arte em pintá-la! a gente acaso vendo-a,
Sentia um não sei quê com aquele chim
De olhos cortados à feição de amêndoa.

Olegário Mariano (1889-1958) – pernambucano – Príncipe de 1938 a 1958
O enterro da cigarra
As formigas levavam-na… Chovia…
Era o fim… Triste Outono fumarento…
Perto, uma fonte, em suave movimento,
Cantigas de água trêmula carpia.
Quando eu a conheci, ela trazia
Na voz um triste e doloroso acento.
Era a, cigarra de maior talento,
Mais cantadeira desta freguesia.
Passa o cortejo entre árvores amigas…
Que tristeza nas folhas.., que tristeza
Que alegria nos olhos das formigas!
Pobre cigarra! Quando te levavam,
Enquanto te chorava a Natureza,
Tuas irmãs e tua mãe cantavam…

Guilherme de Almeida (1890-1969) – poeta paulista – Eleito em 1951
Nós
Fico – deixas-me velho. Moça e bela,
partes. Estes gerânios encarnados,
que na janela vivem debruçados,
vão morrer debruçados na janela.
E o piano, o teu canário tagarela,
a lâmpada, o divã, os cortinados:
– “Que é feito dela?” – indagarão – coitados!
E os amigos dirão: – “Que é feito dela?”
Parte! E se, olhando atrás, da extrema curva
da estrada, vires, esbatida e turva,
tremer a alvura dos cabelos meus;
irás pensando, pelo teu caminho,
que essa pobre cabeça de velhinho
é um lenço branco que te diz adeus!

Paulo Bonfim – poeta paulista – (1926-2019)
Soneto
Não busco especiarias, sou apenas
Um corpo transformado na paisagem,
Barco de amor e morte, céu de penas,
Voo tinto de rumos e ancoragem.
Se pastoreio estas contradições
Que são agora carne e pensamento,
É porque trago a noite e seus violões
A percorrer os quarteirões do vento.
Dos passos estrangeiros crio o mapa
E a bússola escondida na lapela,
O resto é chuva desenhando a capa
Que jogo sobre o corpo da procela.
Não busco especiarias sou somente
A mesa posta e o convidado ausente.
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