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Archive for junho \23\-03:00 2014

POR TEMPO INDETERMINADO

 

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cruci

– um poema de

JORGE LUIS BORGES,

 traduzido por Ivo Barroso

 

Cristo na cruz. Os pés tocam a terra.

Os três madeiros são de igual altura.

Cristo não é o do meio. É o terceiro.

A negra barba pende sobre o peito.

O rosto não é este das gravuras.

É áspero e judeu. Mas não o vejo

E vou buscá-lo sempre até o dia

De meu último passo sobre a terra.

O homem alquebrado sofre e cala.

A coroa de espinhos o castiga.

A chacota da plebe não o alcança

tantas vezes viu sua agonia.

A sua ou a desse outro. Dá no mesmo.

Cristo na cruz. Desordenadamente

Pensa no reino que talvez o espera,

Pensa numa mulher que não foi sua.

Não lhe foi dado ver a teologia,

A Trindade indecifrável, os gnósticos,

As catedrais, a navalha de Occam,

Nem a púrpura, a mitra, a liturgia,

A conversão de Guthum pela espada,

A Inquisição, o sangue de seus mártires,

As atrozes Cruzadas, Joana d´Arc,

O Vaticano que bendiz exércitos.

Sabe que não é deus e que é um homem.

Ele morre com o dia. Não lhe importa.

Importa o duro ferro desses cravos.

Não é romano. Não é grego. Geme.

A nós deixou esplêndidas metáforas

E uma doutrina de perdão que pode

Anular o passado. (Esta sentença

Escreveu-a um irlandês no cárcere.)

Sua alma busca o fim, impaciente.

Escureceu um pouco. Já está morto.

Anda uma mosca pela carne quieta.

De que vale saber que tenha esse homem

Por mim sofrido, se eu sofro agora?

 

 

Você pode ler o original espanhol de Borges aqui

em http://www.lainsignia.org/2005/marzo/cul_054.htm

Eu conto minha experiência infantil com a imagem

do Senhor Morto no post Regresso do Recesso

(15.03.2011) que você pode consultar aqui.

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congresso eucaristico II

 

Eu me lembro, eu me lembro, era menino e não brincava na praia nem o mar bramia porque ainda estava em Ervália, no interior de Minas, na sacristia da igreja, atento à lição de catecismo. A catequista – uma versão feminina de Anchieta pregando aos tupiniquins – está empenhada em ministrar-nos (?) instrução religiosa e continua a nos surpreender com perguntas enigmáticas: Quem é Deus? Quantos deuses há? Então há três deuses? E depois de nos maravilhar com os mistérios da fé, eis que nos propõe, radiosa: Vamos cantar o hino do congresso?!

Quatro anos antes, em 1936, fora realizado em Belo Horizonte o II Congresso Eucarístico Brasileiro, que reuniu não só na capital mineira, mas em todas as cidades do Estado, verdadeiras multidões de devotos. Naqueles tempos sem televisão, as pessoas se congregavam nas praças e igrejas para cantar o famoso hino, tão famoso, aliás,  que, muitos anos depois (aqui no caso, quatro) ainda era cantado toda vez que havia uma festividade religiosa.   Todos os anos, por ocasião do aniversário do Congresso, o pároco local, Monsenhor Rodolfo, convocava as Filhas de Maria, os Congregados Marianos, as cantoras do coro da igreja e os fiéis em geral para cantar, em altas vozes, o hino eucarístico. Todos o sabiam de cor, tanto os moradores da cidade quanto os que viviam no campo, talvez ainda mais devotos e chegados a uma cantoria.

O catecismo era frequentado maciçamente pelos meninos da roça, que, além de devotos, viam nas aulas uma espécie de recreio para os seus trabalhos agrícolas. Todos eles sabiam cantar o hino sem titubeios:

 

Tuske Rei e nos pobres de Minas

Finca aqui seu tronco, ai Jesus,

E nas pragas famosas de Minas   

O Brasil para a grória com luz.

 

Era um hino que de certa forma me perturbava: quem seria aquele rei Tuske (ou turco?), certamente um tirano que torturava os pobres pedintes mineiros fincando-lhes um tronco (empalação? não, porque na época eu nem conhecia a palavra), que lhes fazia gritar ai Jesus! E porque pragas famosas? Famosas eram, segundo o catecismo, as do Egito. Quais seriam as nossas: pobreza, miséria, doença, analfabetismo? E porque esse miserável déspota iria iluminar o Brasil para a “grória”? Seria uma alusão a Getúlio Vargas que gozava as regalias do poder? Impossível, a Igreja estava em paz com o governo ditatorial.

Mas a douta coadjuvante que nos fora capaz de explicar que o deus trino era de fato uno, que Padre não era o Monsenhor Rodolfo mas uma forma genérica de dizer Pai (no caso o Pai do Filho), que o Filho era na verdade Deus (que é Pai) e que o Espírito Santo não era o nosso estado limítrofe mas uma pomba, que na verdade não era uma pomba mas o espírito de Deus – pressurosa  correu para o quadro negro e lá caligrafou:

 

Tu, que és Rei, e que aos povos dominas,

Firma aqui teu trono, ó Jesus!

E, das plagas formosas de Minas,

O Brasil para a glória conduz!

 

Ficamos transtornados com o texto, embora as palavras escritas nos servissem de alívio. Sim, senhor, então o terrível rei turco não era outro senão o próprio Jesus que na verdade era Deus?! Um Deus benigno que não obstante dominava os povos?! E que não fincava nada em ninguém, mas pelo contrário devia estabelecer seu trono (foi difícil explicar que não se tratava realmente de um trono, mas da vontade todo poderosa de Deus), e que ninguém havia gritado ai Jesus! e sim invocado a sua condição de Deus. Não, não havia pragas em Minas, embora os meninos da roça achassem que sim; o que havia eram plagas, estranha palavra desconhecida tanto para nós, os da cidade, quanto para os trabalhadores do campo. E ficamos sabendo afinal que a suposta “glória com luz”, que nos soava tão prometedora, não passava do nosso conhecido  e cotidiano ato de levar alguém para algum lugar.

De qualquer forma, foi um alívio: o Tuske Rei nascera de um defeito de pronúncia (“Tu, que és rei”), embora nos parecesse um desrespeito chamar Jesus por tu, já que chamávamos nossos pais de Senhor e Senhora. Mas foi bom livrar os pobres daquele martírio de serem espetados por um tronco. Também ficamos livres das pragas, embora sobrecarregados com aquelas plagas que ninguém sabia o que eram. Como para nós condução fosse apenas a pirua, o único veículo coletivo da cidade, saímos leves, certos de que o nosso Rei, fosse ele quem fosse, levaria o Brasil de automóvel para a glória…

O curioso é que, décadas e décadas depois, eu às vezes ainda me surpreendo a cantar na memória: Tuske rei e que os pobres de Minas

 

(outra historinha divertida só para variar)

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feliz-dia-dos-namorados-1

A Gaveta presta uma homenagem ao Dia dos Namorados (St Valentine´s Day em inglês) transcrevendo um belo poema em prosa de Carlos Drummond de Andrade

 

NÃO DEIXE O AMOR PASSAR

Carlos Drummond de Andrade

Quando encontrar alguém e esse alguém fizer seu coração parar de funcionar por alguns segundos, preste atenção: pode ser a pessoa mais importante da sua vida. Se os olhares se cruzarem e, neste momento, houver o mesmo brilho intenso entre eles, fique alerta: pode ser a pessoa que você está esperando desde o dia em que nasceu.

Se o toque dos lábios fôr intenso, se o beijo fôr apaixonante, e os olhos se encherem d’água neste momento, perceba que existe algo mágico entre vocês. Se o primeiro e o último pensamento do seu dia fôr essa pessoa, se a vontade de ficar juntos chegar a apertar o coração, agradeça: Algo do céu te mandou um presente divino — o Amor

Se um dia tiverem que pedir perdão um ao outro por algum motivo e, em troca, receber um abraço, um sorriso, um afago nos cabelos e os gestos valerem mais que mil palavras, entregue-se: vocês foram feitos um para o outro. Se por algum motivo você estiver triste, se a vida lhe deu uma rasteira e a outra pessoa sofrer o seu sofrimento, chorar as suas lágrimas e enxugá-las com ternura, que coisa maravilhosa: você poderá contar com ela em qualquer momento de sua vida.

Se você conseguir, em pensamento, sentir o cheiro da pessoa como se ela estivesse ali do seu lado… Se você achar a pessoa maravilho- samente linda, mesmo ela estando de pijamas velhos, chinelos de dedo e cabelos emaranhados… Se você não consegue trabalhar o dia todo, ansioso pelo encontro que está marcado para a noite… Se você não consegue imaginar, de maneira nenhuma, um futuro sem a pessoa ao seu lado…

Se você tiver a certeza que vai ver a outra envelhecendo e, mesmo assim, tiver a convicção que vai continuar sendo louco por ela… Se você preferir fechar os olhos, antes de ver a outra partindo: é o amor que chegou na sua vida. Muitas pessoas apaixonam-se muitas vezes na vida, poucas amam ou encontram um amor verdadeiro. Às vezes encontram e, por não prestarem atenção nesses sinais, deixam o amor passar, sem deixá-lo acontecer verdadeiramente.

É o livre arbítrio. Por isso, preste atenção nos sinais. Não deixe que as loucuras do dia-a-dia o deixem cego para a melhor coisa da vida: o Amor!!

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Como contribuição nossa, aí vai o original e a tradução de um dos mais belos e famosos sonetos de Shakespeare sobre o tema.

 

 

WILLIAM SHAKESPEARE 

Sonnet CXVI

Let me not to the marriage of true minds
Admit impediments. Love is not love
Which alters when it alteration finds,
Nor bends with the remover to remove:
Oh, no! it is an ever-fixed mark,
That looks on tempests and is never shaken;
It is the star to every wandering bark,
Whose worth’s unknown, although his height be taken.
Love’s not Time’s fool, though rosy lips and cheeks
Within his bending sickle’s compass come;
Love alters not with his brief hours and weeks,
But hears it out even to the edge of doom.
If this be error, and upon me prov’d,
I never writ, nor no man ever lov’d.
SONETO 116

Que eu não veja empecilhos na sincera
União de duas almas. Não amor
É o que encontrando alterações se altera
Ou diminui se o atinge o desamor.
Oh, não! amor é ponto assaz constante
Que ileso os bravos temporais defronta.
É a estrela guia do baixel errante,
De brilho certo, mas valor sem conta.
O Amor não é jogral do Tempo, embora
Em seu declínio os lábios nos entorte.
O Amor não muda com o dia e a hora,
Mas persevera ao limiar da Morte.
E, se se prova que num erro estou,
Nunca fiz versos nem jamais se amou.

Tradução de Ivo Barroso

 

 

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