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Archive for agosto \21\-03:00 2021

PREFÁCIL PARA AS CRIANÇAS

Há motivo para mais uma tradução de O Pequeno Príncipe, esse livro superconsagrado de Antoine de Saint-Exupéry e já vertido inúmeras vezes para centenas de línguas? Há dois. O primeiro é que temos alguns indícios para associá-lo ao Brasil, já que o autor esteve muitas vezes em nosso país. Há registros de que em novembro de 1927, Exupéry, então aviador da Aeropostale, a primeira companhia aérea a fazer voos regulares entre a Europa e a América Latina, pernoitava com frequência em Recife e Natal, onde teria visto um baobá, supostamente o mesmo que aparece citado em sua obra famosa. Sabe-se que o de Natal,  nessa época, era uma árvore, já um tanto frondosa, crescia num terreno baldio, desde então ameaçado de venda para a construção de um edifício no local.  O baobá foi salvo do extermínio, graças ao mecenas e poeta natalense, Diógenes da Cunha Lima, que adquiriu o terreno para preservar a árvore, transformando o seu habitat num recanto público, hoje denominado “O baobá do poeta”. Ali se realizam, hoje, concertos, recitais, palestras, aulas práticas de Botânica, etc. numa faixa de terreno que recebe cuidados de jardim. O baobá se tornou ponto de referência e local de visitação turística, exibindo publicamente toda a sua beleza vegetal, como pode atestar a foto que estampamos na contracapa deste livro. Em suas viagens como piloto de correio aéreo, Exupéry conheceu muitos países da África e esteve perdido no deserto da Líbia, conforme relata em seu livro Terra dos Homens. Mas em nenhum de seus relatos faz qualquer referência a baobás, árvore originária daquelas regiões. Esse nome só vai parecer em O Pequeno Príncipe, publicado em 1944, quando o autor já estava exilado nos Estados Unidos, voluntariando-se para participar da II Guerra ao lado dos americanos. Tudo indica, portanto, que o baobá do Pequeno Príncipe seja o baobá de Natal, hoje elevado a monumento exposto à visitação pública. A suspeita de que seja essa a árvore do livro, levou, em 2009, o ilustre sobrinho do autor, François d’ Agay a visitar Natal para se certificar das conclusões sugeridas pela leitura do livro.  

O outro motivo é muito meu, como tradutor. Este livro é ao mesmo tempo uma grande obra literária e uma singela história para crianças. O gênio artístico de Exupéry conseguiu criar, aqui, um texto de grande sentimento humano e de singelíssima narrativa infantil. O fato de nele ressaltarem suas qualidades literárias tem, necessariamente, levado os tradutores a adotar, em sua transposição linguística, um formalismo verbal compatível com a linguagem padrão de seus respectivos idiomas. 

Eu quis, sem macular o estilo literário de Exupéry, trazer esse texto o mais perto possível da linguagem das crianças brasileiras, ou seja, fazer dele um livro exclusivamente de literatura infanto-juvenil.   Apresentar uma leitura   acessível a qualquer menino ou menina, sem a necessidade de recorrer a dicionários ou à internet. Que as frases ditas pelo Pequeno Príncipe fossem exatamente aquelas que uma criança do Brasil atual diria em tais circunstâncias, impedindo assim que essa oralidade fosse expressa de maneira formal, de acordo com os preceitos da linguagem escrita. Daí ter evitado a todo custo, por exemplo, ênclises e próclises, hoje totalmente banidas do nosso linguajar habitual. Substituí, por exemplo, “fez-se silêncio” por “houve silêncio”, ou “encontrar-se-iam” por “se encontrariam”. Usei também perífrases verbais para substituir formas que poderiam soar rebuscadas ou incompatíveis com o linguajar infantil. Mas não alterei nada, não pulei nada, não sacrifiquei nenhuma frase, tendo todo empenho em tornar os diálogos os mais naturais possíveis, procurando reproduzir exatamente o que (principalmente uma criança) diria naquelas circunstâncias. Nem sempre a tradução de uma frase francesa corresponde ao tom que ela pode adquirir em português, segundo as circunstâncias. Assim, a primeira fala do PP no livro: Dessine-moi un mouton!” exprime o modo como qualquer francês, criança analfabeta ou homem culto, pediria a alguém para lhe desenhar um carneiro. Mas, já no Brasil, teremos para isso uma forma dita culta “Desenha-me um carneiro” e outra, comum, habitual, informal ou popular de dizer a mesma coisa: “Me desenha um carneiro”. Achei que o correto seria traduzi-la da forma como uma criança brasileira a diria. Em resumo, tentei não apenas traduzir (fidelidade a tudo o que está lá escrito) mas “interpretar”, “transpor”, “reformular” (principalmente as frases) para lhes dar uma naturalidade, digamos  coloquial.     

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