EPÍGRAFE
Ela entrou com embaraço, tentou sorrir, e perguntou
tristemente – se eu a reconhecia? O aspecto carnavalesco
lhe vinha menos do frangalho de fantasia do que do seu ar
de extrema penúria. Fez por parecer alegre. Mas o sorriso
se lhe transmutou em ricto amargo. E os olhos ficaram
baços, como duas poças de água suja… Então, para cortar
o soluço que adivinhei subindo de sua garganta, puxei-a
para ao pé de mim e, com doçura: — Tu és a minha
esperança de felicidade e cada dia que passa eu te quero
mais, com perdida volúpia, com desesperação e angústia…
MANUEL BANDEIRA (1886-1966)
SONETO DA ESCRAVA
Ela chegou, chegou-se a mim e disse
Que tinha vindo para ser escrava…
E eu respondi-lhe que era uma tolice
Aquela frase que ela murmurava.
Lembrei-lhe a triste história de Belkiss…
E ela, sem dar ouvido ao que escutava,
Fechou os olhos e, num beijo, disse
Que tinha vindo para ser escrava…
E eu, num gesto de pura maluquice,
Ao vê-la assim, tão cheia de meiguice,
Abri os braços para a que chegava…
Sem pressentir que, por desgraça minha,
Do meu destino ia ficar rainha
Quem tinha vindo para ser escrava
ONESTALDO DE PENNAFORT (1902-1987)
GARANCE
Tive-a nos braços. Era Carnaval
E não notei que nos meus braços tinha
— Qual vestida de escrava, uma rainha —
A Amada, em fantasia de venal.
Estava só. Não sei de onde ela vinha.
O nome? Não guardei. Fui tão banal!
Julguei-a logo pelo lado mau
Só pelo fato de ela estar sozinha.
Poucas palavras nos dissemos, poucas…
Eu quis abraços e esmagar de bocas.
Tudo tão rude… (Era Marisa ou Neusa?)
Fugiu, depois, sentindo o meu enfado:
E a mulher que julguei ser do pecado
É aquela que eu procuro como deusa!
IVO BARROSO
1943 – Versos antigos e sentimentais