Alguns amigos e leitores me perguntam onde poderiam ler os versos antigos que às vezes publico aqui na categoria Versos Tristes e Sentimentais. Nela já saíram: Felicidade, A dança das Horas, Poema testamento, Homenagem ao Dia das Mães e Saudade. Todos eles constam, de fato, do livrinho Caixinha de Música, que editei em 1998 pela Atheneu Editora, do Rio de Janeiro, com o intuito exclusivo de reverter seus direitos autorais ao Lar de Frei Luiz, conhecida entidade filantrópica e assistencial. Ao que parece a edição, com fins beneficentes, foi toda esgotada, já que a Editora me informa não haver exemplares em estoque. Vez por outra aparece algum na Estante Virtual, ora humildemente barato (R$5,00), ora escandalosamente caro (RS$45,00). No momento em que escrevo, não havia nenhum à venda. Para atender a esses pedidos, vou publicar, de quando em quando, alguns desses versos que compus quando ainda meninote (12 aos 16 anos), sempre com a ressalva de que se tratam de poemas infantis, escritos às vezes precocemente por um menino sonhador.
REALEJO TRISTE
Realejo triste do meu bairro pobre,
Por que perdeste tão depressa o encantamento?
A ouvir-te agora não há tempo que me sobre
E nem eu gosto mais de ouvir o teu lamento.
Não me comove mais essa canção fanhosa;
Nem mesmo sei como há quem a suporte.
Não creio mais nos papeizinhos cor-de-rosa
Que predizem futuro e que adivinham sorte.
Pareces-me tão sujo e velho! Tenho
Mesmo aversão pelo teu som roufenho.
Como é banal e vão o teu lamento!
Perdeste tão depressa o encantamento!…
(…E o Realejo, rodando a manivela,
Tocava sempre a mesma tarantela:
“Sou inda o mesmo de outrora
P’ra quem conserva a inocência.
Há muita gente que chora
Ouvindo a minha cadência,
A mesma valsa sentida
Que o menino tanto ouviu.
Que culpa tenho se a vida,
Se a vida te poluiu?!…”
***
SOLDADINHOS DE CHUMBO
Meus soldados, a seus postos!
E, dispostos
Em três ou quatro fileiras,
Bem ligeiras,
Punha os homens da comanda,
Logo a banda
E, após o tambor e o bumbo,
Os meus soldados de chumbo.
Traçava os planos da guerra,
Pela terra,
Pelo mar e em todo lado.
O soldado
Nada tinha que pensar.
Avançar!
Gritava – e o meu batalhão
Jazia imóvel no chão.
Bem tristonho o contemplava
E chorava.
Antes, pensei que ao meu brado,
O soldado
Marcharia, firme e forte,
Para a morte.
E eu sonhava com a façanha
Dos soldados na campanha.
Lá se foi… O tempo foge…
E, até hoje,
Ao meu sonho imenso, brado:
Vai, soldado,
À luz da vida sonhada!
Mas, qual nada!
Como aos soldados de então,
Brado aos meus sonhos em vão!
(1945)
Caríssimo Poeta Ivo Barroso, de Ervália,
Este Garoeiro que tanto sustenta que a única vida verdadeira é a que se goza na infância, e que vive martelando isso em dezenas de poemas, você nem sabe quanto é bom vê-lo assumir igual evidência. Sem caixinhas de música e soldadinhos de chumbo, como, Poeta, continuar sonhando e vivendo de poesia?
É, meu caro, tudo indica que você começou a poetar em criança, como eu; só assim pode dar valor a esses arroubos que a maioria considera ultrapassados.
Grato e abraço do
Ivo Barroso
O realejo me lembra a emoção que tive, em 94, em Madri, ao ouvir aquele velho som que jamais ouvira de novo no Brasil. E lá estava um realejo, na Gran Via! Você já era um poeta quando menino, Ivo! Quanto aos soldadinhos de chumbo, recomendo o filme O Incógnito, em que um falsificador, ao ter de produzir um Rembrandt, se vê forçado a comprar soldadinhos de um antiquário para deles retirar o chumbo que não mais existem nas tintas.