(dois antigos poemas de Ivo Barroso sobre a sua infância)
PAPAGAIO DE PAPEL
Nas tardes de domingo, após um bom repasto,
Recordo-me que tinha a pressa igual de um raio
Em ir com a garotada ao alto de algum pasto
Soltar ainda mais alto um belo papagaio.
E eu corria a valer pelo vergel, de fasto…
Depois, fazendo assim como que um breve ensaio
(Como prêmio do esforço e do meu tempo gasto),
Subia a pipa azul ao céu azul de maio.
Mas, certa vez, um vento alísio que provinha
Lá das bandas do Sul, onde há ventos fatais,
Levou meu papagaio até o fim a linha.
O medo de o perder causou-me um escarcéu…
Mas, notando que a pipa ansiava subir mais,
Cortei a linha e a vi perdendo-se no céu.
*
BARQUINHOS DE PAPEL
Lá, na janela azul da Casa Velha, um dia
— As chuvas de verão caindo num tropel —
Bem cheio de entusiasmo, alegre, construía
Minha esquadra naval de barcos de papel.
Enfrentando, a correr, a chuva que caía,
Depunha na enxurrada um lépido baixel,
E, temendo o naufrágio, ao longe inda o seguia
Com meu cuidoso olhar de marinheiro fiel.
Algum tempo depois, encharcados e rotos,
Sumiam, pouco a pouco, os meus barquinhos ágeis
Tragados pela boca enorme dos esgotos…
… Têm meus sonhos de amor história parecida:
Como os barcos de outrora, umidecidos, frágeis,
Vão logo naufragar nas águas desta vida.
*
(1945)
Bendita infância, essa, que ainda ressoa em você!