Éramos quatro irmãos, todos com nomes de 3 letras – Léa, Ivo, Ney e Lia – que nosso pai, farmacêutico de ideias avançadas, queria preparar para o futuro. Líamos o Tesouro da Juventude e fazíamos ginástica pelo rádio, na voz energética do prof. Oswaldo Diniz Magalhães. De tempos em tempos, aparecia, no Herval daquele tempo, um fotógrafo profissional que fazia retratos de família e aí estamos nós, bem vestidinhos e penteadinhos, fazendo pose num dos bancos do Jardim. A Léa está meio emburrada porque não queria de forma alguma aparecer com aquele enorme laço de fita branca no cabelo, absurda imposição de nossa mãe e insistência indevida do fotógrafo. Sobre nossa irmã mais velha, vocês podem ler aqui a crônica que publiquei há muitos anos num jornal de Minas. Sobre o Ney, nosso querido irmão, infelizmente falecido, tenho evocado sua lembrança todo ano em 10 de julho, dia de seu aniversário (veja aqui). Faltava falar sobre a Lia, que aparece logo no início do poema Longe, que vai transcrito abaixo. Sim, brincávamos de circo e Lia cantava (?) a Amapola, então grande sucesso musical. Mas além de cantora e trapezista, ela nos servia também de alvo, aliás em perigosas circunstâncias. Como presente de Natal, em certo ano, eu e Ney ganhamos, além dos arcos, uma aljava cheia de setas cujas pontas de ventosas se grudavam nas superfícies lisas. Nossos exercícios se tornaram mais realistas e perigosos quando encostamos a Lia na parede e disparamos contra ela flechadas sem parar, à moda dos índios que víamos no cinema. Despertada pelos gritos alucinantes da pobre vítima, nossa mãe apareceu e, confiscando arcos e flechas, por assim dizer acabou com a brincadeira. Por incrível que pareça, o “alvo” dos terríveis “mohicanos”, sobreviveu à infância, à juventude e chegou à maturidade, hoje completando 85 anos, pelo que lhe desejamos parabéns.
LONGE
Quando éramos pequenos, brincávamos de circo.
Lia cantava a “Amapola”.
Ney soprava uma flauta de bambu.
Cesário e eu contracenávamos
na peça” Jony Cantor”:
escrita por mim
dirigida por mim
representada por mim
— tudo segundo as primeiras manias
americanas que surgiam.
A entrada eram cinco paus de fósforo
e o nosso sucesso espantoso.
Claro que só havia uma sessão,
mas era de abafar.
No fim da mesma a assistência
destruía o circo,
rasgava a cortina, quebrava os bancos,
jogava tinta e fogo nos atores.
Mas eu mostrava aos outros a imensidão
dos paus de fósforos
e depois íamos todos rasgar as tabuletas
com um sorriso de vitória.
(1945)
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