A excelente revista literária Dicta & Contradicta publicou em seu último número (dez., 2010) algumas traduções de Nelson Ascher, seguramente um dos nossos maiores tradutores de poesia, radicado em São Paulo. O talento multilíngue de Nelson, seu leque de interesses poéticos, sua tranquila navegação por épocas e escolas literárias podem ser apreciados na leitura de “Poesia Alheia”, publicado pela Imago em 1998, em que reúne 124 poemas traduzidos do latim, provençal, inglês, francês, espanhol, italiano, alemão, húngaro, esloveno e hebraico. Embora apreciador de Pound, Nelson nunca se disse (nem foi considerado) concretista, embora não fuja à inclinação do make it new. Entre as traduções mencionadas de início, ele incluiu uma versão (moderna) da célebre “Chanson d´Automne”, de Verlaine, sobre a qual já havíamos feito algumas observações em nosso post de 24.08.2010, e que aqui vai transcrita para a apreciação de nossos leitores:
Canção de outono
Violinos com
seu choro assom-
bram o outono
e eu, corpo mor-
to de torpor,
me abandono.
Quase sem ar,
desmaio ao soar
da hora enquanto,
lembrando em vão
os dias de então,
caio em pranto.
E o vento cruel
leva-me ao léu
pouco importa
aonde, em vaivém,
vago que nem
folha morta.
Vejam as preocupações formais do tradutor em preservar os sons “sombrios” de Verlaine: (sanglots longs d´automne=Violinos com, choro assom-), que são perseguidos mesmo nos versos seguintes (corpo morto torpor) quando no original a clave já havia mudado para coeur langueur. O sentido dos versos (além dos violinos) é igualmente preservado com ágeis e sutis transmutações: Tout suffocant = Quase sem ar/ Sonne l´heure = ao soar da hora/ Et je pleure = caio em pranto). A sensação é de que se trata de um “novo” poema, ou melhor de um poema novo, do poema renovado pela atualidade do autor. Possivelmente se vivo e brasileiro, Verlaine o teria feito assim.
Que acham?
Caro Ivo
make it new. Verlaine está no original em francês. Traduzir é a Cortesia da leitura
com apreço e amizade
Eric Tirado Viegas
Realmente um deslumbre essa tradução. A quebra da palavra é uma ousadia. E que saboroso é lê-la em voz alta. Bacana mesmo.
Grato também pela indicação da revista Dicta & Contradicta que parece ser uma ótima leitura.
um abraço,
Jander- Niterói-RJ.