No tempo em que se estudava francês no colégio, era comum saber-se de cor aqueles versos maviosos de Verlaine
Les sanglots longs
Des violons
De l´automne
Blessent mon coeur
D´une langeur
Monotone.
(Tradução literal, mecânica: Os soluços longos/ dos violinos/ do outono/ferem meu coração/ de um langor/ monótono.) Deles, conheço três versões em português:
Guilherme de Almeida:
Estes lamentos
Dos violões lentos
Do outono
Enchem minha alma
De uma onda calma
De sono.
Onestaldo de Pennafort:
Os longos sons
dos violões
pelo outono,
me enchem de dor
E de um langor
de abandono.
Alphonsus de Guimarães
Os soluços graves
Dos violinos suaves
Do outono
Ferem a minha alma
Num langor de calma
E sono.
Ora, tanto Guilherme de Almeida (1890-1969) quanto Onestaldo de Pennafort (1902-1987), excelentes e tarimbados tradutores do francês e, em especial, de Verlaine, sabiam muito bem que violon em francês é violino e não violão. Como se deu, no caso, a mudança? Sem dúvida nenhuma, para reproduzir o timbre, a tonalidade grave dos versos em “ô” (sanglô lon violôn otône), atentos ao lema verlainiano “de la musique avant toute chose”. E creio ainda que ambos quiseram transpor, além do sentido do poema, a “atmosfera” geradora da sensação nele contida; daí “reclimatizaram” a ambientação do mesmo. O outono a que Verlaine se refere é aquela estação europeia, geradora do spleen baudelairiano, depressiva, que antecede o ainda mais sombrio e gelado isolamento do inverno. Os soluços longos são do vento que assovia como o arranhar de violinos desafinados, ferindo o coração do poeta de uma languidez persistente. Já o outono brasileiro sugeriu aos dois tradutores uma quadra sazonal bem próxima do verão, em que ainda se sente uma apatia preguiçosa, acentuada pelos graves sons monótonos dos violões. Essa reambientação se torna ainda mais localizada em Onestaldo ao rimar “sons” com “violões”, sugerindo uma prosódia circunscrita a determinados estados do sudeste (principalmente o Rio de Janeiro) em que a palavra é pronunciada “soins” (ou sões), diversamente de outras áreas, principalmente a de Minas Gerais, em que ela é duramente emitida como “sonz” . Em Guilherme, o planger dos violões provocam a sensação de calma e mesmo de sono; já em Onestaldo, o sentimento é de dor (de cotovelo?) e mesmo de abandono (amoroso?).
Na versão do poeta simbolista mineiro Alphonsus de Guimaraens (1870-1921), que morou toda a vida na friorenta Mariana-MG, os violinos são restaurados, bem como os soluços e o langor, e o “monotone” é transposto pela expressão “de calma e sono”. Mas os longos soluços se transformam em graves (mais próprios de violões que dos agudos violinos) e estes se apresentam suaves quando no original seriam quase dissonantes. Uma possibilidade para ficar próximo do sentido talvez fosse: Gemidos finos/ dos violinos/ do outono… mas, e o timbre, o tom grave, surdo, quase oco daqueles “ô-ô-ô”s? Quem sabe: Graves bordões/ dos violões/ do outono… saiu bem, mas, e o sentido? Eta versinho miserável! Ah, e a propósito: Como você faria?
Caro Ivo,
Ai, ai, ai, ai, ai… tue e tuas “perguntas difíceis” (rsrs). Eu particularmente adoro “langor de abandono”, combina muito bem com a poesia do “fin de siècle”.
Quanto a como eu faria… passo a bola pra você, um craque, que recebe a bola e a mata no peito!
Super abraço,
Fátima
Caro Ivo
minha modesta contribuição, quase de um make new de Verlaine onde tentei seguir metro e rima:
O langor soluço
de um violão
são de um outono
mágoas coração
soam um clangor
de tom monotono.
saudações ao mestre
Eric Ponty
Essa, eu suponho, é uma dessas criações intraduzíveis de que a poesia é rica, devido ao entrosamento perfeito do sentido com os sons.
Mas o prazer que você nos proporciona, pelo conhecimento do assunto e pela maneira como o aborda, acaba dando um entorno à sua tradução mecânica, tão poético quanto o original.
Caros ivo barroso e w.j. solha
contribuir depois de uma tradução de Ivo Barroso? Nós resta uma parafrase.
Eric Ponty
Eu mergulhei nessa também – a sua proposta é adorável. Que tal assim:
O pranto fino / dos violinos / do outono / Enche-me o peito / como um efeito/ de abandono. Abraços. anadege