A fama literária de Jane Austen tem feito com que inúmeros escritores procurem imitar seu estilo. Mas há uma diferença entre imitar um estilo e se apossar inteiramente do enredo de um livro, numa tentativa de prolongá-lo ou emulá-lo. Embora isto nos pareça uma reles estratégia editorial, o certo é que até agora não surgiu, dentre essas inumeráveis sequelas ou continuações, nenhuma que tivesse pelo menos de longe alcançado as qualidades literárias da “boa tia de Steventon”. Curiosamente parece que todos esses “sequelisers” (como são chamados na Inglaterra) são mulheres e inglesas, algumas se esmerando tanto na imitação que chegam a ter nomes cujas iniciais correspondem às de Jane Austen, como no caso de Juliet Archer (JA), autora de “The Importance of being Emma”, publicado em 2008. Essa falsa JA se diz “um espírito do séc. XIX num corpo do séc. XXI ” e pretendeu reescrever Emma como se a história se passasse atualmente, “na era dos e-mails, celulares, msgs, do trabalho feminino, das ideias liberais e da revolução sexual”. Daí ter alterado alguns aspectos do ambiente, dos costumes e mesmo do comportamento dos personagens, em especial o de Knightley, que segundo ela seria mais sexualmente orientado em nossa época do que Jane Austen admitiu ou preferiu retratá-lo. Mrs. Archer (que além de surrupiar o livro da verdadeira JA também se apropriou do título de uma comédia de Oscar Wilde) considera seu livro um sucesso mesmo entre os ardorosos leitores da obra original, o que a levou a planejar a “modernização” de toda a obra austeniana, a continuar com um “Persuade me!”, clone manifesto de “Persuasão”.
Claro que todo mundo tem o direito de escrever o que bem entenda, mas é de boa ética que se seja o autor daquilo que se escreve e não mero diluidor ou fabricante de Ersatzses literários, eternamente atrelados ao verdadeiro valor de uma obra alheia. O caso mais desconcertante dessas “apropriações”, nos parece, entretanto, ser “Perfect Happiness” (aproximadamente “Felizes para Sempre”), que pretende recriar a história de Emma a partir de seu casamento com o maduro Knightley. Seu autor (no caso autora) não é um desconhecido qualquer à cata de uns trocados à reboque de uma contrafação. Ela tem a seu crédito (medíocres ou não) cerca de 20 romances publicados, além de ser dama da aristocracia inglesa. Trata-se de Lady Rachel Billington, filha do falecido Lord Longford e irmã de Antonia Fraser, também escritora, ex-esposa do dramaturgo Harold Pinter. Lady Rachel afirma ter entrado nessa onda de diluição (“bowdlerisation”, segundo ela) a convite de seu editor, tendo a princípio hesitado em aceitar a proposta de escrever um livro no estilo de Jane Austen, valendo-se eventualmente de seus personagens e enredos. Seria um pastiche? indagou-se ela, e, submetendo a ideia a alguns amigos, deles ouviu expressões como “vampiro, sugadora, hiena, argentária”, além de estar convicta de que uma sequência por mais elegante e bem recebida que fosse nunca seria confirmada como literatura. Diz ela: “Resisti à idéia, mesmo estando certa de que planejava manter a linguagem e o estilo de Jane, acabei descobrindo que a palavra “sequel” tinha seus antecedentes em 1513, e que, em fins do séc. XVII, Vaubrugh escreveu uma peça chamada “The Relapse”, claramente admitida como continuação de “Love´s Last Shift”, de Colley Cibber.” Para se justificar, Lady Rachel ainda argumenta que no séc. XIX, Anna Lefroy, sobrinha de Jane Austen, continuou a escrever seu inacabado “Sandition”, embora ela também não conseguisse completá-lo. Em 1850, outra sobrinha, Catherine Anne Hubback, publicou uma novela chamada “The Younger Sister” , baseada num dos antigos inéditos inacabados da tia, “The Watsons”. Em 1913, numa sequência de “Pride and Prejudice”, chamada “Old Friends and New Faces”, desfilavam caracteres de todas os seus romances. E conclui que hoje pode-se identificar (Internet) mais de 50 dessas obras subsidiárias, entre sequelas e adaptações.
Temos assim que uma escritora inglesa com duas dezenas de obras publicadas, de vida econômica independente, tornou-se uma “sequeliser” por insistência de seu editor (este certamente interessado em obter bons lucros com a operação). Logo, uma tentação literária como qualquer outra, já que Rachel Billington, ao compor “Perfect Happiness”, se sentiu, segundo diz, bem próxima do espírito de Jane Austen e ainda acalenta a esperança de que ela aceite seu ponto de vista de que “a imitação é a mais sincera forma de lisonja”.
(Sabe-se, no entanto, que tudo não passou de uma disputa de mercado entre os seus editores e os de sua amiga e rival, Emma Tennant, como veremos a seguir).
(Continua)
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