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Posts Tagged ‘Wallace Fowlie’

 

 

Wallace Fowlie, professor emérito de literatura francesa da Duke University (Carolina do Norte, EUA), passou a vida ministrando cursos sobre Proust, Rimbaud, Mallarmé, Gide, Claudel e Dante, mas sua maior atenção e estudos fo­ram dedicados ao “insigne pas­sante” de Charleville, de quem acabou tradutor da obra com­pleta. Não foi o primeiro em in­glês, nem sequer o melhor: Oliver Bernard, Paul Schmidt, Louise Varèse, Bertrand Mathieu e Wyatt Mason também por ela se aventuraram, mas só Norman Cameron e Enid Rho­des Peschel conseguiram dar, por fim, ao leitor norte-ameri­cano, respectivamente, uma equivalência poética e una interpretação textual condignas da obra rimbaldiana.

Fowlie, contudo, foi quem le­vou mais longe o culto à obra e à vida do poeta, pois além de traduzi-lo, passou, depois de aposentado, a dar conferências nas universidades e colégios do país, divulgando a obra traduzi­da. Pode despertar admiração ou curiosidade o interesse que os jovens estudantes america­nos demonstravam à época por essas conferências sobre um es­critor francês que lhes era (e ainda é) desconhecido; mas a verdade é que Fowlie tinha um “gancho” explícito e infalível: em 1968 recebera o bilhete em que um cantor sem nome (para ele) lhe agradecia “por ter feito a tradução de Rimbaud, pois, não lendo bem o francês, só as­sim pôde apreciar devidamente o poeta”. Esse cantor era o já fa­moso roqueiro Jim Morrison que, em breve, passaria a ser visto, por suas atitudes performáticas, como guru xamanístico, fauno psicodélico e rebelde com (ou sem) causa, consagran­do-se ídolo da geração beat. Fowlie, dando-se conta, em seguida, do passaporte para a juventude e a popularidade que tinha em mãos, passou a anunciar suas conferências como sendo um paralelo entre os “dois poe­tas malditos”, com o que, se por um lado conseguia seu obje­tivo de divulgar a obra de Rimbaud, por outro procedia politi­camente correto agradando ao público jovem, por equiparar o roqueiro americano ao maior poeta francês da modernidade. As conferências – uma delas in­titulada Traduzindo Rimbaud para um Cantor de Rock fize­ram sucesso, pois Fowlie conseguia transmitir algum Rimbaud em troca de muitos esclareci­mentos sobre “a obra” de Morrison, num perfeito entrosamento com a audiência, que via ne­le um “um erudito avançado”.

O livro “Rimbaud e Jim Morrison” (Elzevir, 2005) é uma síntese de tais conferências, apresentadas com levíssimas modificações em dezenas de campi universi­tários. Louve-se desde já o em­penho com que o velho mestre se dedicou ao estudo do “cantor desconhecido”, guardando de cor os locais e datas das per­formances, títulos das músicas, gravadoras, etc., etc., valendo-­se para tanto das biografias de John Densmore, de Jerry Hopkins/Daniel Sugerman e de Ja­mes Riordan/ Jerry Prochnick. Compreende três partes, as duas últimas dedicadas respecti­vamente a Rimbaud e a Jim Morrison, e a primeira ao “feliz descobridor da dupla”, o pró­prio professor Wallace Fowlie. Nesta. com uma profusão de de­talhes que faz pressupor revela­ções inéditas sobre os persona­gens principais (o que aliás não acontece), Fowlie conta como traduziu a obra de Rimbaud, es­clarecendo com Louise Varèse (esposa do compositor Edgar Varèse) dúvidas mútuas e co­mo foi “despachado” por Etiemble, que ìhe disse: “Estou relendo Rimbaud e cheguei à conclusão de que não entendo sequer uma frase escrita por ele.” Conta também como pre­parava as conferências, exami­nando de antemão a tribuna, o microfone, a colocação da assis­tência, etc. e registra a hora em que chega com precisão de se­gundos e até quantos copos de água bebeu durante a palestra.

A análise que faz da vida e da obra de Rimbaud é um tanto “digest”, e a interpretação de algumas “plates” das Ilumina­ções possivelmente discutível diante da montanhosa exegese que hoje circunda cada frase e até cada palavra do poeta. Mas para o leitor iniciante e desejo­so de conhecer os motivos que fazem de Rimbaud o quebra-di­ques da poesia moderna, o li­vro é mais que útil porquanto escrito por alguém que convi­veu com essa obra e admirou-a durante toda a vida e procura aqui incentivar sua Ieitura.

O grande problema do livro é o possível equívoco que o subtítulo “os poetas rebeldes” pode ocasionar. Jimi Morrison é poeta? E aqui entra em cena a ferrada discussão se letra de música (lyrics) é poesia. Morrison, à semelhança de Rimbaud, em dado momento de sua vida quis mudá-la, depois de ter seguido a fórmula do poeta com “o desregramento de todos os sentidos”, frase aliás que tem sido mal inter­pretada, pois na verdade o que Rimbaud parece querer dizer com isso tem mais a ver com a hipersensibilidade do que com o mero deboche. O popstar, desgastado com o processo que sofreu por ofensa ao pudor público, muda-se para Paris onde pretende dedicar-se à poesia e ao cinema. Mas a morte, em circunstâncias bas­tante controversas, o leva precocemente, como fez com Rimbaud – embora lhe dando a glória póstuma de jazer no Père Lachaise.

A obra “literária” de Jim Morrison está hoje contida em dois volumes bilíngues, edita­dos na França: Lords and New Creatures (Seigneurs et Nou­velles Créatures) e Une Prière Américaine et Autres Ecrits.

Nela não há a esperada influência de Rimbaud, a não ser em duas ou três frases muito diluí­das; predomina o “verso her­mético” e a “referência pes­soal gratuita” (private notes), conhecidos inibidores da ver­dadeira expressão poética. No conjunto, o escritor não chega a ser urna promessa, proceden­do acertadamente seus admira­dores americanos em conside­rá-lo apenas o grande perfor­mer e compositor vocalista do The Doors. Mas Fowlie capri­cha na análise de suas letras e se esforça para valorizar suas “realizações poéticas’.­

Louve-se neste livro de divul­gação sua inquestionável boa qualidade e a fluente tradução de Alexandre Feitosa Rosas, que um ou outro cochilo da re­visão não chega a arrepiar.

(Fonte: Cultura – O Estado de S. Paulo – 23.01.2005 – Na onda de dois poetas malditos)

                              RIMBAUD NO PEN CLUB

                        (mesa-redonda – outubro 2004)

Quis o Pen Club do Brasil – na pessoa de seu Presidente Geraldo Holanda Cavalcanti e de sua Vice-Presidente Bella Jozef – que o sesquicentenário de nascimento de um dos mais importantes poetas franceses – Arthur Rimbaud – não passasse inteiramente esquecido do público brasileiro e resolveu promover este encontro com três tradutores do poeta – Xavier Placer, Ledo Ivo e Ivo Barroso – que aqui viriam falar de sua experiência com essa monumental obra poética e, na medida do possível,  manter com o público presente uma conversa informal sobre a vida e a obra de Rimbaud.  Xavier Placer, [que infelizmente não pôde, à última hora, comparecer por motivos de saúde] foi quem primeiro deu forma de livro no Brasil à obra de Rimbaud com Uma Estação no Inferno, de 1952, nos Cadernos de Cultura do MEC editados por Simeão Leal; o grande poeta e acadêmico Ledo Ivo, foi o primeiro a traduzir entre nós As Iluminações em 1957, juntamente com a Saison a que deu o excelente título de Uma Temporada no Inferno; e este que vos fala, que espera concluir brevemente a tradução do terceiro volume da obra  de Rimbaud,  de que a Topbooks relança nesta ocasião a terceira edição da Poesia Completa.

Em 1994, para homenagear o centésimo quadragésimo aniversário de nascimento de Rimbaud, o Centro Cultural Banco do Brasil organizou toda uma Semana Rimbaud (que na verdade se estendeu de 22 de novembro a 10 de dezembro), durante a qual foram realizadas palestras, exposições, mostras fotográficas que reproduziam fotos e manuscritos, exibição de filme, declamação de poemas e lançamento de livro. Agora, em 2004, por ocasião do sesquicentenário de Rimbaud, acreditávamos que manifestações culturais semelhantes pudessem ser ainda mais expressivas, programadas pelos centros de divulgação, com apoio de outras entidades nacionais e estrangeiras, à semelhança do que está ocorrendo na França, na Itália e no Japão, para citar apenas esses três países. Contudo, em decorrência de problemas da programação desses órgãos (que é feita com uma antecedência às vezes de até um ano), não foi possível a inclusão em 2004 de nenhum evento ligado ao sesquicentenário de Rimbaud, e a data passaria esquecida do público brasileiro não fosse a inserção, em alguns jornais e revistas, de pequenas notas ou artigos referentes ao poeta. A revista Continente, de Recife, a que mais extensamente tratou do assunto,  estampou em sua capa o retrato do poeta  e publicou matéria bastante variada, inclusive um roteiro de Charleville e uma longa carta em que Rimbaud descreve sua travessia dos Alpes, a pé; o suplemento Mais!, da Folha de São Paulo, também publicou uma carta, uma das últimas, em que o poeta informa à família sua hospitalização em Marselha às vésperas de ter a perna direita amputada; o suplemento Magazine, do jornal O Tempo, de Belo Horizonte, também deu capa à matéria tratada sob a forma de entrevista. Afora isto, o silêncio em torno do sesquicentenário de Rimbaud — tão celebrado com alarde nos países cultos – foi aqui total e unânime. Nenhuma entidade cultural, brasileira ou estrangeira, promoveu qualquer evento em comemoração à data, e é com grande satisfação que vemos o Pen Club assumir a incumbência de romper este pesado e inexplicável silêncio .  Se quiséssemos tirar conclusões apressadas, poderíamos imaginar que a importância de Rimbaud decaiu muito nestes dez anos. Mas a verdade é que ele é cada vez mais estudado e lido no mundo culto e nesse interregno surgiram pelo menos duas novas e importantes biografias: a de Graham Robb, em 2000,  e a de Jean-Jacques Lefrère, considerada agora a mais completa, em 2001. Inúmeros artigos e livros foram publicados no período e, agora em 2004, além de duas novas edições das obras, saíram dois novos estudos sobre Isabelle e Vitalie, respectivamente a irmã dedicada e a mãe autoritária do poeta. A Sorbonne organizou um amplo debate sobre Rimbaud que reuniu os nomes mais expressivos da poesia francesa. O que Etiemble, já lá se vão muitos anos, designou de “O Mito de Rimbaud”, quando em 1968, catalogava cerca de 15.000 obras (livros, artigos, comentários) sobre o poeta e sua obra, já deve ter pelo menos triplicado neste período. E a influência de Rimbaud, que era palpável de Proust a Borges, passando por Serge Gainsbourg e Cartier-Bresson, continua a inspirar e contaminar a obra dos poetas novos em todo o mundo. A Itália tem três edições diferentes da obra completa. O Japão, outras tantas. No Brasil suas traduções estavam desde muito esgotadas, mas a presença de Rimbaud se manifesta em cada novo livro de poesia, aqui e algures, pois ele criou uma linguagem nova que se identifica como sendo o idioma da poesia moderna.

Os participantes desta mesa falarão sobre sua experiência em traduzir a obra de Rimbaud e responderão a eventuais perguntas da audiência. É a nossa modesta contribuição ao sesquicentenário do Poeta. Modesta, mas ainda mais significativa por ter sido a única.

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