É curioso notar que em toda a obra ficcional de Ítalo Calvino, e mesmo em seus ensaios, não haja qualquer referência aos sentimentos amorosos: seus personagens, seus enredos, suas análises e especulações literárias parecem todas voltadas para o ato de escrever e a função (ou missão) do escritor, que se nos apresenta como destituído dos arroubos vulgares dos demais seres humanos. No entanto, o próprio Calvino passou por uma fase de exaltação amorosa pela belíssima atriz de teatro e cinema, Elsa de´ Giorgi, para quem escreveu mais de 300 cartas de violento amor, hoje entregues à guarda do Fondo Manoscritti de Pavia. Elsa atuou em filmes de Visconti e Pasolini, e era casada com o conde Sandro Contini Bonacossi, dito Sandrino, herdeiro de uma das mais importantes coleções particulares de arte florentina. Seu caso amoroso com Calvino transcorreu no período 1955-1958, e começou com sua tentativa de lançar um livro pela editora Einaudi, da qual Calvino era leitor. O relacionamento formal (tratavam-se a princípio por Lei, equivalente a “o senhor”, “a senhora”), foi logo substituído, com os sucessivos encontros amorosos, por um fogoso “tu”, como nesta carta: “Quero escrever sobre o nosso amor, quero amar-te escrevendo, possuir-te escrevendo, nada menos. Meu amor, nunca pensei que minha paixão por ti penetrasse tão profundamente em mim, a ponto de provocar, de abrir uma crise até na instrumentação mais técnica de meu trabalho, ou seja no meu estilo”. Calvino teve que convencer Elio Vitorini (seu chefe na Einaudi) a publicar o livro de Elsa, e finalmente quando este saiu, eis que o conde-marido desaparece sem explicações. Meses depois regressa, alegando que se refugiara nos Estados Unidos para fugir a credores e marchants que o perseguiam, mas há indícios de que um dos motivos tenha sido o conhecimento da traição da esposa. Não se sabe exatamente como e por que o caso amoroso terminou. Em 1975, o conde apareceu morto, enforcado por um fio de náilon, num apart-hotel de Washington. Calvino faleceu em 1985 de um ataque cardíaco. Elsa morreu em 1997, não antes de vender ao Fondo Manoscritti de Pavia as mais de 300 cartas que Calvino lhe escrevera. Ali consignadas com a cláusula de que só deveriam ser conhecidas do público 25 anos mais tarde, algumas delas apareceram no Corriere della Sera em agosto de 2004, motivando uma ação de embargo por parte de viúva de Calvino, Esther Judith Singer (“Conchita”), herdeira dos direitos autorais do marido, por considerar uma quebra desses direitos e um crime de violação da privacidade. “Quando penso o quanto Calvino era reservado e modesto”, disse ela, “fico só na esperança de que não haja jornais lá no outro mundo”
UM POEMA (DE AMOR) de Ivo Barroso
amor que
late no
peito/pátio
de quem
ama
amor que brama
amor que
ladra à
aorta/porta
de quem teme
amor que geme
amor que
cava a
cava/cave
de quem
cala
amor que rala
amor que
rói a
croça/fossa
de quem
fana
amor que dana
amor que late e ladra
e cava escava
que rói corrói
e corre
à cata
amor que morre e mata