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Posts Tagged ‘Mello e Souza’

tabuada (1)menino burro

Sempre fui péssimo aluno de matemática. Na escola pública, embatucava na tabuada de sete e até hoje fico meio em dúvida nas multiplicações desse número. Nos concursos que fiz em busca de emprego ou profissão sempre tirava boa nota em português e me afundava nos cálculos. A palavra Álgebra, com sua origem árabe, tinha para mim conotações de alfanje, deserto, simum, camelos e miragens, e a busca de uma incógnita me parecia peripécia das Mil e Uma Noites. A invenção da máquina calculadora foi como uma vingança, uma alforria, uma desforra da minha incapacidade aritmética. Fiquei livre da tabuada, nunca mais fiz cálculos mentais, contando nos dedos.

Mas houve um momento em que abençoei a ciência dos números. Foi quando, ainda muito moço, descobri o livro O Homem que Calculava, de Malba Tahan.

O homem que calculva 3

O autor do livro (com este pseudônimo) encontra em suas andanças pelo Oriente um peregrino parado à beira de uma estrada. Ao cumprimentá-lo, conforme as regras de cortesia daqueles povos, ouve o desconhecido pronunciar um número fabuloso: “Dois milhões, trezentos e vinte um mil, oitocentos e sessenta e seis”. Sua curiosidade é satisfeita quando o desconhecido informa chamar-se Beremís Samir e estar acostumado, desde a infância, a calcular visualmente, digamos, um bando de pássaros ou o número de ramos de uma árvore. Admirado de tais habilidades, o viajante decide arranjar um posto de trabalho adequado para o calculista na grande cidade para onde vai. E o solícito Malba Tahan o transporta para Bagdá na garupa de seu próprio camelo, já que o andarilho não tinha montaria.

O HOMEM q calculava 4

Eis que a meio caminho encontram três irmãos em acirrada disputa. O pai lhes deixara 35 camelos para serem por eles divididos nas seguintes proporções: o filho mais velho devia receber a metade (ou seja 35/2), o irmão do meio a terça parte (isto é 35/3) e o caçula a nona parte (35/9). A divisão era impossível, pois daria 17 camelos e meio (17,5) para o primeiro, 11 camelos e 66 décimos para o segundo e 3 camelos e 88 décimos de camelo para o terceiro. Nenhuma outra divisão satisfazia o desejo dos jovens pois sempre estava em desacordo com o estabelecido pelo pai. É aí que entra a mágica do Homem que Calculava: Beremis pede ao seu protetor o camelo emprestado, assegurando-lhe que sabe o que está fazendo. Em seguida agrega esse camelo aos 35 outros da herança e diz ao mais velho: “Devias receber a metade de 35, isto é, 17 e meio. Agora receberás a metade de 36, e portanto, 18. Nada tens a reclamar, pois é claro que saíste lucrando com a divisão, que além disso atende perfeitamente os desígnios de seu pai. Tu, irmão do meio, devias receber um terço de 35, isto é, 11 e pouco. Vais receber um terço de 36, ou seja, 12. Não podes protestar pois também sais com visível lucro da transação. E por fim, ó caçula, segundo a vontade de teu pai devias receber uma nona parte de 35, isto é, 3 e tanto. Vais receber uma nona parte de 36, ou seja, 4. O teu lucro foi igualmente notável. Só tens a agradecer-me pelo resultado”.

 camelos

ANTES                                                                               DEPOIS

35/2 = 17,5                                                                         36/2 = 18

35/3 = 11,6                                                                          36/3 = 12

35/9 = 3,8                                                                            36/9 = 4

                               36-34=2 (camelos restantes)

Nota-se que, tendo feito a divisão segundo a vontade do falecido pai dos jovens, Beremis os beneficiou com partes supletivas a fim de conseguir um número inteiro. Dos 36 iniciais, acabou distribuindo 34 camelos (18+12+4) e sobraram dois (36-34), um dos quais foi devolvido ao seu protetor por ser o animal em que tinham viajando, cabendo-lhe (como recompensa) o camelo que restou. E o calculista termina dizendo: “Poderás agora, meu amigo, continuar a viagem no teu camelo manso e seguro! Tenho já um outro, especialmente para mim!”

Malbaimages

Malba Tahan foi o pseudônimo escolhido pelo matemático e professor brasileiro Júlio César de Mello e Souza (1895-1974) para divulgar de maneira divertida e curiosa alguns famosos problemas de matemática. Em suas aulas na Escola Normal conseguia cativar os alunos ensinando as intrincadas fórmulas matemáticas e algébricas mediante jogos e passatempos capazes de tornar atraentes as arestas difíceis daquelas matérias. Escreveu mais de 100 obras sobre lendas árabes ou maneiras de descomplicar a matemática, entre elas “Amor de beduíno” e “O homem que calculava” , livro este que recomendo a todos os que amam as ciências numéricas e principalmente àqueles que, como eu, tinham verdadeira ojeriza por cálculos matemáticos, teoremas e equações.

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