Uma palavra que não consta da cartilha racista do Miniver (o Ministério da Verdade, da obra de ficção “1984”, de George Orwell) é “chocolate”. No entanto, nos anos ’20, tal expressão era usada entre nós com o mesmo sentido com que até ontem dizíamos “moreno”, “escurinho”, etc., ou seja, um eufemismo não ofensivo para o agora… – como direi?… afro-brasileiro (grr!). O termo era um achado, principalmente porque se pronunciava à francesa, oxítono, “chocolat” (xocolá), e equivalia em pedantismo ao ebony que os americanos usam para designar negritude. Podia ser aplicado a todos aqueles que têm uma coloração de pele no tom dito “cravo e canela” (que Jorge Amado consagrou). Mas houve um em particular, o baiano João Cândido Ferreira, ator de vaudevilles, que adotou “De Chocolat” como seu nome artístico. Cantor famoso de cervejarias, circos e teatros de variedade, introdutor do charleston no Brasil, autor de peças de teatro de revistas, declamador, improvisador, De Chocolat, diante do sucesso da negra americana Josephine Baker (bêiker para os americanos, bakér para os franceses), com sua Revue Nègre, resolveu montar aqui uma Companhia Negra de Revistas, que tinha no elenco, entre outros, Pixinguinha, Rosa Negra, Sebastião Cirino e o Pequeno Otelo, que embora na época tivesse apenas 11 anos, já denotava o Grande Otelo que viria a ser.
O aparecimento do “teatro negro” foi saudado com grande entusiasmo por uma parte da crítica e do público, mas houve alguns que não se detiveram em manifestar vivo preconceito, às vezes culminando em violentos ataques racistas contra os astros da Companhia. Apesar do sucesso crescente, a coisa andou preta (opa!) quando, convidada a excursionar inicialmente à Argentina e depois a Paris, a Companhia teve suas pretensões oficialmente barradas pela SBAT da época. Numa sessão de 5 de julho de 1926, Bastos Tigre, o grande humorista e também comediógrafo, conclama o Ministério das Relações Exteriores a impedir a turnê que “redundaria em descrédito para o país, devendo-se impedir a consumação desse atentado aos foros de nossa civilização”. Encontrando tais barreiras, a Companhia Negra de Revistas, fundada por De Chocolat em 1926, acabou se desfazendo no ano seguinte, migrando seus componentes para os pequenos grupos mestiços (eu, hein!) que se formavam na época.
Incentivado pelo professor Julião Dherval (!), o historiador Orlando de Barros, que já nos dera uma excelente biografia de Custódio Mesquita (um compositor romântico do tempo de Vargas) aprofundou suas pesquisas em jornais e documentos da época, do que resultou este panorama social do teatro de revista no Brasil dos anos ´20. A leitura agradável e informativa está, além disso, fundada em metodologia de amplo espectro, permitindo a abordagem dos fatos históricos e sociais que delineavam o panorama da época. Uma galeria fotográfica enriquece e documenta o texto e os anexos registram todas as manifestações teatrais da capital carioca em 1926-1927, período em que prosperou a (discriminada) Companhia.
Além desse livro, lançando pela Funarte em 2001, Orlando de Barros editou recentemente (final de 2010) pela e-papers sua alentada pesquisa sobre as viagens de Marinetti ao Brasil (1926 e 1936) com o título “O Pai do Futurismo no pais do futuro”, que pela extensão do tratamento do tema interessa tanto aos apreciadores de literatura quanto aos estudiosos de ciências sociais por abordar as implicações políticas do escritor italiano com o governo Vargas, da época.