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T S Eliot_biography

Momento estelar da conjunção de homem certo no lugar exato, Thomas Stearns Eliot tornou-se o poeta maior de entre guerras ao encarnar uma transição do passado para o futuro. De formação clássica, universitária, com incursão pelos domínios da filosofia, andou de início quebrando os ídolos do Romantismo e da poesia discursiva, e entronizou no altar da novidade, um ex-deus que andava postergado: John Donne. Trocando a linguagem descritiva e passional por um discurso isento de sentimentalismo e voltado para a exposição de ideias, valeu-se grandemente da técnica da montagem, do fragmento, da intertextualidade para “eliotizar” os morceaux choisis de sua vasta erudição, que compreendia o domínio de várias línguas, inclusive o sânscrito. Seu contato com a vida literária francesa revelou-lhe o verso fluente de Laforgue, o que lhe permitiu contaminar sua expressão metafísica com um coloquialismo que lhe garantiu um tom estilístico peculiar, até então desconhecido nas letras inglesas.

Mas foi graças à confiança e pertinácia de seu conterrâneo Ezra Pound que Eliot teve seu primeiro livro publicado (The Waste Land), contornando a barreira de várias recusas e desconfianças editoriais. Sua técnica do patchwork, da colcha de retalhos, o tratamento leitmotiv dos temas, as disjunções temáticas acabaram acentuando o caráter de hermetismo dos versos, de tal forma que ao sair a lume em 1922, muitos críticos acreditaram tratar-se de uma piada ou brincadeira de mau gosto.

Desde essa época, no entanto, Eliot passou a ocupar uma posição de proeminência, para não dizer ditatorial, no cenário da literatura inglesa, tal como antes dele pontificaram Ben Johnson, Dryden, Pope, Samuel Johnson, Coleridge e Matthew Arnold, todos eles doublês de críticos e poetas. Considerava-se sua poesia como o ponto mais elevado da criatividade humana, só antes alcançado por um Rilke (outro poeta do espírito), e seus conceitos críticos, sua escala de valores artísticos, passaram a ser tidos como julgamentos magisteriais, apesar dos alguns “furos” que lhe foram apontados por sua visão estrábica em relação, por exemplo, à grandiosidade de Blake. E acentuam alguns críticos que sua implicância com Milton tem raízes antes teológicas que literárias.

Embora tenha dito que o “poeta deve adotar como material sua própria linguagem tal como é realmente falada ao seu redor”, a poesia de Eliot é em geral “difícil” e exige formação intelectual, a ponto de ele próprio ter acrescentado uma série de notas no final de “The Waste Land” para orientar a compreensão dos leitores. Mas sua técnica do verso, seu poder de transformar conceitos em palpitações poéticas isentam a compreensão imediata do conteúdo discursivo em proveito de uma fruição indistinta da beleza plástica do verso. Em “Four Quartets”, seu momentum definitivo de 1943, as linhas iniciais transportam o leitor a um dos mais elevados patamares da arte de dizer e de sentir. Neles Eliot atingiu a condição de “suma”, tornou-se o Dante da modernidade.

A apreciação da obra poética de Eliot se tornou ao longo do século XX em verdadeira devoção. Nos meios universitários de todo o mundo perdeu-se a conta das teses, estudos, críticas e papers que lhe foram dedicados, ainda que surgissem vozes discordantes como um estertoroso Harold Bloom a trombetear que sempre odiou a poesia e a nova-crítica de Eliot. A palavra final pode ficar com Northrop Frey, quando afirma: “Um conhecimento generalizado da obra de Eliot é impositivo para quem quer que se interesse pela literatura contemporânea. Gostar ou não dela não tem a menor importância, mas é preciso lê-la”.

 A influência de Eliot na poesia, não só de língua inglesa como de resto em todo o mundo, se fez sentir durante toda a sua fase produtiva (1922-1943), e só começou a arrefecer quando ele se volta para a criação teatral. O sucesso do drama em versos “Crime na Catedral” tem sido hoje creditado de certa forma à dedicação de Martin Brown, que o encenou em função de comprometimentos com sua convicção religiosa. Fartamente revisto, sabe-se que grandes trechos do drama (principalmente os corais) foram então submetidos a hábeis “-ctomias” que os transformaram em poemas fragmentários, posteriormente incorporados a “Burnt Norton” (dos “Quartetos”). Sua tentativa de atingir, no teatro, um público mais amplo, escrevendo comédias “leves” em versos, sem preocupações devocionais, como “O Secretário Particular” e “O Velho Estadista”, trouxe a Eliot apenas algum sucesso de estima, de curta duração. Ele só conheceria a glória do palco depois que Lloyd Weber transformou seus practical cats num espetáculo musical, que o poeta não chegou a assistir.

Pound

 No Brasil, como não podia deixar de ser, abundaram os Eliots, doutrinários ou simplesmente hermético-fragmentários. Mas a ambição do poema longo pelo menos frutificou num dos pontos mais altos da lírica nacional, na “Invenção de Orfeu”, de Jorge de Lima. É curioso notar que a influência de Pound foi muito mais pronunciada e visível entre nós que a de Eliot. Embora os “Quatro Quartetos” tenham conhecido pelo menos três traduções completas, os “Cantos”, de Pound, eram permanentemente citados, traduzidos e plagiados em nossos suplementos literários dos anos 50-60. Mário Faustino, o mais atuante crítico literário daquela geração, nas suas excelentes análises “Fontes e correntes da poesia contemporânea”, dedica 68 páginas (Poesia Experiência – ed. Perspectiva, 1977) a Ezra Pound e nem uma única a T.S, Eliot.” #

Publicado no suplemento literário MAIS! da Folha de S. Paulo em 28.06.2009

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