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Posts Tagged ‘dia das Mães’

 

 O DIA DAS MÃES

O dia de hoje é teu, ó minha mãe – de quantas
mulheres como tu que, do seio fecundo,
fizeram no milagre ideal das horas santas
uma vida surgir entre as luzes do mundo.

Tu, que sofres sorrindo e que, chorando, cantas,
recebe neste dia o meu louvor profundo,
embora eu não encontre em meio a frases tantas
nenhuma só que expresse o amor de que me inundo.

O dia de hoje é teu – nos diz o calendário;
no entanto sabes bem que este dia é arbitrário
— dias não há no amor que sinto dentro, aqui.

Desponta a cada instante e cresce a cada hora,
porque no coração do filho que te adora
todos os dias do ano ele os dedica a ti.

Ivo Barroso
(1950)

MÃE

Mãe – quer dizer: a que sabe; a que, vendo
O bem, se alegra e, vendo o mal, perdoa.
Mãe – é a que sente, a que sofre e, sofrendo,
Tem para tudo uma palavra boa.

Mãe – é a que chora em silêncio, temendo
Que alguém lhe veja o pranto e se condoa.
Mãe – é a que embarga o seu soluço e, erguendo
O rosto, diz: “Estou chorando à-toa…”

Mãe – é a que vê no coração da gente;
A que adivinha tudo em nós, e esquece
— Qual anjo que, fiel, nos acompanhe…

E eu que já fui em outros tempos crente
E que hoje me esqueci de toda prece,
Quando quero rezar, murmuro: MÃE!

Ivo Barroso

(1954)

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POEMA TESTAMENTO

[Em homenagem ao Dia das Mães]

Mamãe:

se eu morrer de avião ou de males do fígado

(eu, que, em menino, pensei morrer, liricamente, de tuberculose),

quero que a senhora avie estas coisas para mim:

primeiro —

Queimar todos os meus versos, os meus papeis,

as minhas eternas escrevinhações

que lhe causavam aquela gozada papel-fobia

de que eu me ria, sem dizer nada.

Era preciso que eu tirasse uma tarde inteira,

uma tarde igual àquela em que lhe falei

das minhas tristezas, da minha inconformidade

para com um mundo que me era hostil;

ou uma tarde dessas em que, a família toda reunida,

nos pomos a falar coisas do Herval;

pois é, uma tarde assim, para dizer de minha vida

em relação à poesia… mas não convém.

Sempre tive um egoísmo tolo

em me passar por incompreendido,

que até, agora, me sinto bem.

segundo —

Venda os meus livros e a estante.

não deixe o Ney e a Lia tocar neles.

Nos livros aprendi tanta desilusão,

tanto aniquilamento

(Meus autores prediletos pareciam escrever

para nos ensinar que não devemos escrever)

… tanto aniquilamento,

que não quisera ver os manos

presas do mesmo sentimento.

Há um, no entanto, que desejo

que alguém conserve com carinho:

é uma edição maravilhosa

do “Fleurs du Mal” de Baudelaire;

está na caixa de charutos…

e, dentro dele, entre os poemas do “Spleen”,

tenho dois contos e quinhentos

(mas não rezem missa com eles, pelo amor de Deus!)

terceiro –

Guarde os meus óculos como lembrança

de meu olhar resignado;

embora sempre me aborrecessem,

tornassem velho o meu semblante,

habituei-me a eles:

aclararam e aproximaram as coisas belas

que eu quis ver

(Quanto desejei também que vissem

a Place de la Concorde, a Via Appia e Biskra!).

Dê o “ray-ban” para o Papai;

ele sempre achou que eu ficava alinhado com eles…

Coitado do velho! sempre quis ter um filho alinhado,

peito pra frente, olhar na torre da igreja,

um filho “pinta” militar…

E eu, meu Deus, no que fui dar?! …

Talvez nem chegue a ser doutor…

Mas a senhora sabe que isso não me importa;

que o que preocupou verdadeiramente a minha vida

foi um desejo de viagens e aventuras,

e embora tudo me faltasse para empreendê-las,

vislumbrei todas as loucuras

e fui, no sonho, às últimas estrelas!

A senhora sabe que no ser frágil e literato

que viam em mim

morava também um esquisitão meio áspero

que procurava fugir ao doce sentimentalismo caseiro.

Ainda bem que todos me compreendiam nesse ponto

e não faziam de mim nenhum “caso especial”.

Sempre vivi a meu gosto,

embora sonhasse demais para viver assim.

Não vá pensar, no entanto, que lhe deixo

o travo de algum ressentimento inconformado;

pelo contrário, mãe; quisera deixar a grande paz

que tenho aqui comigo, bem guardada,

uma paz alveolar, meridiana e clara,

que me faz acreditar que triunfei.

(1948)


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