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Archive for the ‘Artigo’ Category

OITAVO ANIVERSÁRIO

Luhan Dias

 

Trôpega, mas risonha, a Gaveta chega hoje ao seu oitavo aniversário. Em 2018 ela andou perrengue, esteve em recesso algumas vezes, amarelou em outras e ameaçou trancar-se definitivamente em 12.04.2018, durante uma pseudocrise de suposto abandono (agora sei!). Samaritanos leitores ocorreram prestimosos para enaltecer as qualidades da Gaveta e estimular seu amanuense a mantê-la sempre aberta. Entre mortos e feridos, salvaram-se todos… E aqui vamos nós, sem estarmos ainda bem certos se os nossos esforços (pesquisas sem conta, leituras exaustivas) para manter uma divulgação (antologia poética) que julgamos necessária – estariam sendo correspondidos pelo interesse daqueles que nos leem (dúvida geradora da pseudocrise).  Como sempre, após os brindes de aniversário, pernas pro ar que ninguém é de ferro (como dizia o nosso velho Ascenso Ferreira aqui). Estaremos fora do ar em agosto, entregues a leituras e buscas para, na volta, apresentar aos leitores uma nova Antologia Poética, cobrindo a produção de vates nascidos nos 27 estados das 5 regiões do Brasil:

NORTE (Tocantins, Acre, Pará, Rondônia, Roraima, Amapá e Amazonas) …

CENTRO-OESTE (Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Distrito Federal) …

NORDESTE (Bahia, Sergipe, Alagoas, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Maranhão) …

SUDESTE (Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo)

SUL (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul).

 

Até breve!


O tradicional Curso de Especialização de Tradutores DBB (Daniel Brilhante de Brito) tem agora o premiado shakespeariano Erick Ramalho como professor de tradução, que dará aulas na sede do curso, em Copacabana, às sextas-feiras, das 9:30h às 12:30h. Aos sábados, pela manhã, o DBB oferece o mesmo curso com a professora Lia Bittencourt, no horário das 9:30h às 12:30h. O segundo semestre se inicia em 10 de agosto, mas o curso tem matrículas contínuas, de modo que alunos novos podem iniciar as aulas a qualquer momento durante todo o ano. Para informações e inscrições: info@dbb.com.br, ou pelos telefones(21) 2549-5151 /  (21) 99762-1895.

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DULCINEIA E TRANCOSO

 

— É um pássaro?

— Uma estrela?

— Um avião?

NÃO, É O SUPERSOLHA!  o grande, o grandíssimo Solha das empresas grandiloquentes.

Leitor, ninguém lerá a Engenhosa Tragédia pensando que se trata de um grande poema, de um longo e grande poema, de uma obra prima poética; não, não é: apesar de até bilingue e formatado em versos, este arsenal retórico é muito mais que isso: é o momento de transição em que os recursos banais da poesia – como a rima – a natural e a arquitetada– funcionam como ejetoras de mirabolantes peripécias verbais, nas asas de uma erudição desagradavelmente superior à nossa, que nos esmaga, apequena, inferioriza. Sinta-se, leitor, incapacitado ou ainda não capacitado para encarar este poema (?), este arsenal de símbolos, evocações, mergulhos no passado clássico e emersões escafândricas no presente mais cotidiano da nossa rádio-televisão;  esta viagem sideral por várias épocas e momentos literários, citações, evocações, transposições, que vão da pré-história ao nordeste mais folclórico e corriqueiro; estes pulos de trapézios cronológicos, estilísticos, linguísticos, sublimes ou banalíssimos num conúbio que desconhece tempo e espaço, que engloba tempo e espaço, que confunde tempo e espaço, em virtuosos passes de mágica, que levam da idade da pedra (!) aos mais arcânicos e infundados abismos etimológicos.

Não, leitor, não leia a Engenhosa Tragédia de Dulcinéia e Trancoso, pois ela não é engenhosa, nem tragédia, nem é Quixote, e nem Lampião. É um combate aéreo com tanques voadores, e motocicletas aquáticas, monstros e gente, todos seus pseudoconhecidos, mas transpostos para uma dimensão a que você ainda não chegou. É uma linguagem que você não fala, um idioma que você não conhece, um criptograma que você não consegue decifrar. Enfim, um panorama cronologicamente mais avançado do que os estereótipos a que você chegou a tanto custo.  Não leia agora, vá se preparando para tal e volte daqui a um tempo. Enquanto isto, o só, o sol, o Solha, irá, por sua vez, se libertando desses arquétipos que há tanto tempo o torturam e aprisionam a uma pedra (!), como o seu guru Suassuna; irá sair do rasteiro Nordeste para o prado (!) das paisagens mais amplas que conhece e curtiu; esquecerá de vez o folclore, o oxente e fará aquele poema mais que superficial, terra-a-terra, cheio de emoções banais a que estamos todos acostumados. E o Solha voltará a ser um dos nossos sem a genialidade que o distingue.

 

Afinal, como o senhor definiria a obra?

UM ESTOURO DE BOIADAS ELETRÔNICAS

EM CORRIDAS ESPACIAIS PELA CAATINGA

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ÉRAMOS QUATRO

 

 

 

 

 

Éramos quatro irmãos, todos com nomes de 3 letras – Léa, Ivo, Ney e Lia – que nosso pai, farmacêutico de ideias avançadas, queria preparar para o futuro. Líamos o Tesouro da Juventude e fazíamos ginástica pelo rádio, na voz energética do prof. Oswaldo Diniz Magalhães. De tempos em tempos, aparecia, no Herval daquele tempo, um fotógrafo profissional que fazia retratos de família e aí estamos nós, bem vestidinhos e penteadinhos, fazendo pose num dos bancos do Jardim.  A Léa está meio emburrada porque não queria de forma alguma aparecer com aquele enorme laço de fita branca no cabelo, absurda imposição de nossa mãe e insistência indevida do fotógrafo. Sobre nossa irmã mais velha, vocês podem ler aqui a crônica que publiquei há muitos anos num jornal de Minas. Sobre o Ney, nosso querido irmão, infelizmente falecido, tenho evocado sua lembrança todo ano em 10 de julho, dia de seu aniversário (veja aqui). Faltava falar sobre a Lia, que aparece logo no início do poema Longe, que vai transcrito abaixo. Sim, brincávamos de circo e Lia cantava (?) a Amapola, então grande sucesso musical. Mas além de cantora e trapezista, ela nos servia também de alvo, aliás em perigosas circunstâncias. Como presente de Natal, em certo ano, eu e Ney ganhamos, além dos arcos, uma aljava cheia de setas cujas pontas de ventosas se grudavam nas superfícies lisas. Nossos exercícios se tornaram mais realistas e perigosos quando encostamos a Lia na parede e disparamos contra ela flechadas sem parar, à moda dos índios que víamos no cinema. Despertada pelos gritos alucinantes da pobre vítima, nossa mãe apareceu e, confiscando arcos e flechas, por assim dizer acabou com a brincadeira. Por incrível que pareça, o “alvo” dos terríveis “mohicanos”, sobreviveu à infância, à juventude e chegou à maturidade, hoje completando 85 anos, pelo que lhe desejamos parabéns.


LONGE

Quando éramos pequenos, brincávamos de circo.
Lia cantava a “Amapola”.
Ney soprava uma flauta de bambu.
Cesário e eu contracenávamos
na peça” Jony Cantor”:
escrita por mim
dirigida por mim
representada por mim
— tudo segundo as primeiras manias
americanas que surgiam.

A entrada eram cinco paus de fósforo
e o nosso sucesso espantoso.
Claro que só havia uma sessão,
mas era de abafar.
No fim da mesma a assistência
destruía o circo,
rasgava a cortina, quebrava os bancos,
jogava tinta e fogo nos atores.
Mas eu mostrava aos outros a imensidão
dos paus de fósforos
e depois íamos todos rasgar as tabuletas
com um sorriso de vitória.

(1945)

 

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FOOTBALL

Robson Tamas

Confesso que nunca fui muito chegado a futebol. Em criança, joguei bola umas poucas vezes no terreiro da farmácia, com ramos de goiabeira delimitando o espaço do gol. Jogávamos a dois, quero dizer, eu e meu irmão, que era o dono da bola, excluídos os meninos da rua que, por jogarem certamente melhor que nós, ficavam só peruando, sem chances de participar. Eu era o goal-keaper (nessa época, anos 40-50, os nomes das posições eram todos em inglês: half. back, midfield, etc.) e devia defender os shoots do implacável forward, que além disso jogava sozinho sem ninguém na marcação. Resultado: era gol toda vez que ele chutava em gol, salvo uma em que, sem querer, defendi a bola com o joelho, provocando uma briga de foi-gol-não-foi, digna de qualquer Copa do Mundo. Lembro estas coisas, gaiatas e distantes, distantes mas não apagadas da lembrança e da saudade, ao recordar o quanto meu irmão gostava (diferentemente de mim) de futebol. Em garoto, jogou na escola, no colégio, na rua e nos clubes de bairro, mas, já famoso professor que comandava legiões de alunos, tornou-se torcedor qualificado do Fluminense, chegando a participar, mais tarde, da própria diretoria do Clube.

Ele estaria completando hoje 86 anos, não o tivesse tirado de campo uma operação malograda de safena, causadora deste vácuo e desta saudade, hoje que eu teria, pelo seu  aniversário, razões de cumprimentá-lo e perguntar pelo “nosso” futebol.

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ÚLTIMA PÁGINA

Alguns leitores reclamaram não ter eu incluído na Antologia Poética da Gaveta o poeta X ou o poema Y. Esclareço que essa coletânea de poemas aqui transcrita não obedeceu a nenhum critério seletivo nem muito menos didático. Quis dar apenas aos leitores a imagem do que era uma das distrações culturais de meu tempo e copiei os poemas de um álbum em que se pretendia registrar somente versos “de primeira linha”. O conjunto está longe de representar uma mostra do que seja o panorama ou qualquer fase da poesia brasileira, e as omissões e lacunas são tantas que tornam sem efeito qualquer possível reclamação. Estão ausentes nomes importantes como os de Álvares de Azevedo, Gonçalves Dias, Castro Alves; há um silêncio total sobre os nossos simbolistas geniais, como Alphonsus de Guimarães; omitiu-se o gigante Augusto dos Anjos e não se chegou aos poetas modernos, de grande, de enorme importância. Cito estes nomes ao acaso para que o leitor procure, de per si, conhecê-los, sem o que este seu passeio pela literatura brasileira seria a mera passagem por um túnel. Temos um projeto em progresso, que é a Antologia de Poetas Regionais, que pretendemos lançar logo após a volta das férias. Mas prometo a mim mesmo que farei, vez por outra, pequenos ensaios sobre grandes poetas brasileiros, sempre no intuito e esperança de incentivar nossos leitores a conhecê-los melhor.

Encerramos esta nota com um achado: na última página do álbum, com letra bem diferente da nossa, encontramos um soneto, Saudade, e logo nos lembramos de como ele foi aparecer ali. Um tio nosso, que partilhava de nossas leituras e anseios poéticos, tinha especial predileção por esse soneto e nos pediu algumas vezes para incluí-lo no álbum. Argumentávamos sempre que os nossos poemas eram todos de amor, de ternura, de felicidade ou desengano e que o seu pretendido falava apenas da lembrança de sua terra natal; sobre o tema já tínhamos o Berço, de B. Lopes, incluído, aliás, após certa relutância. Agora, ao reler este Saudade, reconheço as qualidades poéticas do trabalho, uma joia de realização singela, na métrica sonora, nas rimas inocentes, na naturalidade das frases, e, de repente, aquela invocação insólita que se tornou proverbial: um must! E ele aí vai:

SAUDADE – Da Costa e Silva (1885-1950) – poeta piauiense (25)

Resultado de imagem para Da Costa e Silva

Saudade! Olhar de minha mãe rezando,
E o pranto lento deslizando em fio…
Saudade! Amor da minha terra… O rio
Cantigas de águas claras soluçando.

Noites de junho… O caburé com frio,
Ao luar, sobre o arvoredo, piando, piando…
E, ao vento, as folhas lívidas cantando
A saudade imortal de um sol de estio.

Saudade! Asa de dor do Pensamento!
Gemidos vãos de canaviais ao vento…
As mortalhas de névoa sobre a serra…

Saudade! O Parnaíba – velho monge
As barbas brancas alongando… E, ao longe,
O mugido dos bois da minha terra…

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Também para os esdrúxulos vamos atacar em dose tripla. De todos os nomes anteriormente citados, sobraram cinco ainda sem cobertura: Othoniel Beleza, Pethion de Villar, Petrarca Maranhão, Pretextato da Silveira e Segundo Wanderley. Deixemos de lado o Pethion de Villar, cujo nome próprio (Egas Moniz Barreto de Aragão) era mais nobiliárquico do que o pseudônimo francelho que ele inventou. O Petrarca Maranhão foi selecionado para representar o Acre, na próxima antologia de poetas regionais que estamos preparando. Então vejamos os restantes: Othoniel Beleza, Pretextato da Silveira e Segundo Wanderley. Mas, antes mesmo, queremos nos desculpar junto aos leitores por não termos, até o momento, conseguido fotos confiáveis de dois dos poetas citados. Chegamos a levantar algumas hipóteses pesquisando no Google as imagens dos nomes buscados, mas concluímos (por ter havido algumas trocas) que a possibilidade de engano era grande demais e seria inconveniente apresentar uma pessoa por outra. Contamos com a colaboração dos leitores para o preenchimento dessa lacuna, bastando-nos a indicação de onde poderíamos conseguir tais fotos.

OTHONIEL BELEZA (1896-1928) – poeta maranhense (22)

O sobrenome do nosso poeta Othoniel Beleza não pode ser rigorosamente considerado esdrúxulo, termo que usamos aqui em suas várias gradações: curioso, raro, inusitado, etc. No caso dele, a variante menos apropriada seria “raro”, já que constatamos a existência de mais de duas centenas (contadas) de pessoas com o sobrenome Beleza, Belleza, Belesa, Beleuza no Facebook. Conseguimos saber a respeito do nosso antologiado que foi respeitável professor secundário no Estado de Minas e que havia até mesmo uma escola municipal com seu nome. Estamos tentando contatar pessoas da família para concluir nosso desiderato. A pergunta que sempre surge é se o Beleza era de fato sobrenome ou apenas pseudônimo.  Desses três últimos, foi o único poeta de quem conseguimos livro (“Aljôfares”, 1944) na Estante Virtual.

 

LONGE DE TI

A tua ausência — que aborrecimento!
E, ao mesmo tempo, que necessidade!
Longe de ti, punge um pesar violento
E um brando anseio o coração me invade!

Se, ausente, mais seguras te apresento
Mil provas de constância e lealdade,
Volva o tempo assim mesmo lento-lento,
E amor assim se apure e nos agrade!…

Longe de ti, de outras mulheres perto,
De outras mulheres mil, núbeis e belas,
É que mais brilha esta afeição bendita.

Pois perto delas é que sinto, ao certo,
Que não palpita por nenhuma delas
O coração que só por ti palpita!

 

PRETEXTATO DA SILVEIRA (1896- ?) – poeta fluminense (23)

Pobre José Pretextato Alves da Silveira, dele não conseguimos sequer a data de seu falecimento! Sabemos apenas que era autodidata e foi funcionário dos Correios no Rio de Janeiro, onde nasceu. Consta que teria deixado inéditos três livros de versos e mais uma plaquete (1932) com quatro sonetos, o mais admirável dos quais transcrevemos abaixo:

 

DILEMA

“Quero morrer primeiro, um dia tu disseste,
Pois não suportarei a tua ausência!” E, ansiosos,
Ergueste para a azúlea abóbada celeste
Teus olhos a exorar por mim, meigos, piedosos!

Então, já comovido e de olhos lacrimosos,
Eu implorei ao Céu: “Senhor, tu que me deste
A vida e o seu carinho e os dias venturosos,
Consente que antes dela à sombra do cipreste

Eu vá dormir!” E assim ficamos abraçados
Pensando com terror que um dia a mão dos fados
O laço romperá deste amor verdadeiro!

E os nossos corações interrogando a sorte,
Sofriam! Qual de nós irá primeiro à morte,
A qual dos dois virá o martírio primeiro?


Adendo ao Pretextato.

Quanto ao extravagante prenome Pretextato surge uma dúvida: segundo o dicionário Aurélio, o termo significa o usuário da “toga branca, com barrado de cor púrpura, dos jovens de famílias patrícias e altos magistrados da Roma antiga”. Já outras fontes associam o nome a pretexto, definindo-o como desculpa ou subterfúgio atestado por escrito. Embora achemos o nome um tanto peregrino, acabamos por verificar não ser ele nada raro, dado que inúmeras pessoas assim chamadas estão em atividade no Facebook.

 

SEGUNDO WANDERLEY (1860-1909) – poeta norte-rio-grandense (24)

Já do nosso Wanderley temos alguns dados (inclusive a foto) fornecidos pela Fundação José Augusto, de Natal. Wanderley era médico e poeta condoreiro, ou seja fazia versos inspirados no tema da abolição da escravatura, “com fantásticos voos em construções grandiloquentes” à moda de Castro Alves. Quanto ao inusitado Segundo do nome, explica-se pelo fato de as famílias antigas assim designarem o segundo filho ou o filho subsequente com a morte de um primogênito ainda infante. Autor de sonetos de tema arrojado, como o que apresentamos abaixo para encerrar nossa galeria de esdrúxulos, estes versos despertaram celeuma quando de sua publicação nos jornais norte-rio-grandenses:

AMOR DE FILHA

Um pobre velho, não importa o nome,
Por um crime, talvez, crime de Estado,
Foi entregue à Justiça e condenado
À dura sorte de morrer de fome.

Mas rigores não há que amor não dome…
A visitar o pai encarcerado,
Pede a filha, e consegue, ao Magistrado
Que se condói da mágoa que a consome.

Volve um dia, mais outro e outro ainda,
Mas, apesar do bárbaro tormento,
Do delinqüente a vida não se finda…

Rasgo de amor que as almas maravilha:
— O pai hauria o seu estranho alento
Nos fartos seios da extremosa filha!

 

NOTA FINAL: Não pensem os leitores que esteja esgotado o elenco de poetas com nomes estranhos  ou curiosos (que ousamos chamar aqui de esdrúxulos). Vejam esta pequena lista colhida por acaso ao pesquisar sobre poetas regionais (motivo de nossa próxima antologia): Caco Ishak, Francisco Perna, Leo Lynce, Px Silveira, Ursulino Leão, Ciro do Rosário Curado, etc. etc. etc.

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CASIMIRO DE ABREU (1839-1860) – poeta fluminense (19)

Casimiro José Marques de Abreu nasceu na cidade fluminense que hoje leva seu nome era filho de um comerciante português, que o mandou estudar em Lisboa, onde compôs seus mais saudosos versos, de uma candura quase infantil. Mas lá também escreveu uma peça em versos brancos, Camões e o Jau, em que demonstrava seus conhecimentos do vernáculo, colocando-se em igualdade com os poetas lusos. De volta ao Brasil, publica As Primaveras, livro que o sagrou como um dos poetas mais populares do Brasil, condição em que se encontra mesmo nos dias atuais. Seu poema abaixo, de cândida religiosidade, contém – a nosso ver – dois dos mais belos versos da língua, pela sua sonoridade, arquitetura vocálica e dinâmica imagética: “E erguendo o dorso altivo, sacudia / A branca espuma para o céu sereno”.

 

DEUS

Eu me lembro! eu me lembro! – Era pequeno
E brincava na praia; o mar bramia
E erguendo o dorso altivo, sacudia
A branca escuma para o céu sereno

E eu disse a minha mãe nesse momento:
“Que dura orquestra! Que furor insano!
“Que pode haver maior que o oceano,
“Ou que seja mais forte do que o vento?!” –

Minha mãe a sorrir olhou p’r’os céus
E respondeu: – Um Ser que nós não vemos
“É maior do que o mar que nós tememos,
“Mais forte que o tufão! Meu filho, é – Deus!” –

Dezembro – 1858

Nota: O tema das brincadeiras do tempo de criança me inspirou, também na puberdade, a escrever versos evocativos desses folguedos: Papagaio de papel e Barquinho de papel, transcritos no post Mais uma (última) sessão nostálgica, da Gaveta do Ivo, em 18/12/2016, que podem ser lidos (aqui).

 

B. LOPES (1859-1916) – poeta fluminense (20)

Mestiço, de origem humilde, Bernardino da Costa Lopes, nascido na então província do Rio de Janeiro, costumava assinar-se poeticamente apenas B. Lopes, evitando usar o prenome, julgado um tanto “vulgar” à época. Estreou com o livro Cromos em deliciosos sonetilhos que descrevem cenas da vida rural, que lhe deu imediata fama. Mas eis que se apaixona por uma senhora a quem designava como Sinhá Flor, dedicando-lhe versos rebuscados, nas ideias e vocabulário, em que figuram viscondessas, castelos, barões, cavaleiros medievais. Decepcionado, compõe em seu louvor um dos sonetos mais patéticos da língua portuguesa (“Outro, não eu, etc.) Tentando participar da vida política nacional, dedica um soneto ao Marechal Hermes, cujo final caricato: (“ – Bonito herói! Cheirosa criatura!”) seria motivo das mais impiedosas críticas.

BERÇO

Recordo: um lago verde e uma igrejinha,
Um sino, um rio, um postilhão e um carro
De três juntas bovinas que ia e vinha
Rinchando alegre, carregando barro.

Havia a escola, que era azul e tinha
Um mestre mau, de assustador pigarro…
(Meu Deus! que é isto, que emoção a minha,
Quando estas coisas tão singelas narro?)

Seu Alexandre, um bom velhinho rico
Que hospedara a princesa; o tico-tico
Que me acordava de manhã, e a serra…

Com seu nome de amor, Boa Esperança,
Eis tudo quanto guardo na lembrança,
Da minha pobre e pequenina terra!

Nota: O tema da terra natal foi tratado por grande número de nossos poetas, mas nenhum conseguiu obter a singeleza deste soneto de B, Lopes, transformando o verso final numa verdadeira “frase feita”. Eu próprio me vali dele (modificando-o ligeiramente e colocando-o entre aspas para consignar a apropriação) num trecho da minha Rapsódia Ervalense, composta em 1951 em homenagem a Ervália-MG:

Berço

Quando, do alto do Santo Cristo, espio/ a cidade, lá embaixo, espreguiçando, / o meu olhar vai triste, acompanhando / o percurso monótono do rio. // Vejo a praça, o jardim por onde eu ando;/ na igreja, a torre de final esguio;/ e, em fila dupla, o extenso casario, / as chaminés, lá longe, fumegando…// Emocionado, ansioso, em sobressalto, / o meu olhar domina a cordilheira;/ minh’ alma vai subir àquela serra!…//  Mas, para que, meu Deus, subir tão alto?!/ – Para abraçar de uma só vez, inteira, / “a minha doce e pequenina terra”.

 

LUIZ GUIMARÃES JÚNIOR (1845-1898) – poeta fluminense (21)

Luís Guimarães Júnior importante poeta romântico, diplomata e um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras é autor de alguns dos sonetos mais célebres da língua (O Esquife, O coração que bate neste peito e o arqui-famoso Visita à casa paterna, que reproduzimos abaixo). Desse último, consta o verso Resistir, quem há-de, com a inversão do verbo, que se tornou uma frase clichê, um verdadeiro meme de expressão vocabular. Igual popularidade verbal adquiriu o segundo verso: Depois de longo e tenebroso inverno, que se transformou entre nós numa espécie de chavão. Como diplomata, serviu em vários países, terminando sua carreira em Lisboa, onde continuou a residir até sua morte em 1998.  Seu filho, Luiz Guimarães Filho (1878-1940), foi igualmente poeta, diplomata e acadêmico.


VISITA À CASA PATERNA

Como a ave que volta ao ninho antigo,
Depois de um longo e tenebroso inverno,
Eu quis também rever o lar paterno,
O meu primeiro e virginal abrigo.

Entrei.  Um gênio carinhoso e amigo,
O fantasma talvez do amor materno,
Tomou-me as mãos — olhou-me grave e terno,
E, passo a passo, caminhou comigo.

Era esta sala… (Oh! se me lembro! e quanto!)
Em que da luz noturna à claridade,
Minhas irmãs e minha mãe…   O pranto

Jorrou-me em ondas…  Resistir quem há-de?
Uma ilusão gemia em cada canto,
Chorava em cada canto uma saudade.

 

Nota: Não consegui resistir à influência do tema deste soneto e, para a minha Rapsódia Ervalense, de 1951, compus os seguintes versos:

A Casa de Minha Avó

Entro. Há silêncio aqui. Estão sombrias/ estas salas que, outrora, andavam cheias / de encantos juvenis, naqueles dias/ que lá se foram, como tudo o mais… / E as paredes de tábuas tortas, feias, /a triste solidão destes umbrais, / tudo evocando antigas alegrias, / no coração me pesam por demais…/ No quarto, agora entregue ao abandono, / compunha as minhas trôpegas poesias!/ Oh! primaveras líricas!… queria-as/ tanto, e hoje, em seu lugar só vejo outono! / Percorro a casa: está quase às escuras, / mas distingo os retratos dos parentes, / na parede, impassíveis e pendentes,/ na falsa eternidade das molduras./ O relógio da sala as horas deixa/ que passem solitárias – não as conta / e nem profere a rotineira queixa. Sua corda esgotou-se e a idade vence-o…/ – E choro, a cada imagem que reponta/ nas vozes da saudade e do silêncio.

 

NOTA: OS ESDRÚXULOS SERÃO TRATADOS NA PRÓXIMA SEMANA

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