CASIMIRO DE ABREU (1839-1860) – poeta fluminense (19)

Casimiro José Marques de Abreu nasceu na cidade fluminense que hoje leva seu nome era filho de um comerciante português, que o mandou estudar em Lisboa, onde compôs seus mais saudosos versos, de uma candura quase infantil. Mas lá também escreveu uma peça em versos brancos, Camões e o Jau, em que demonstrava seus conhecimentos do vernáculo, colocando-se em igualdade com os poetas lusos. De volta ao Brasil, publica As Primaveras, livro que o sagrou como um dos poetas mais populares do Brasil, condição em que se encontra mesmo nos dias atuais. Seu poema abaixo, de cândida religiosidade, contém – a nosso ver – dois dos mais belos versos da língua, pela sua sonoridade, arquitetura vocálica e dinâmica imagética: “E erguendo o dorso altivo, sacudia / A branca espuma para o céu sereno”.
DEUS
Eu me lembro! eu me lembro! – Era pequeno
E brincava na praia; o mar bramia
E erguendo o dorso altivo, sacudia
A branca escuma para o céu sereno
E eu disse a minha mãe nesse momento:
“Que dura orquestra! Que furor insano!
“Que pode haver maior que o oceano,
“Ou que seja mais forte do que o vento?!” –
Minha mãe a sorrir olhou p’r’os céus
E respondeu: – Um Ser que nós não vemos
“É maior do que o mar que nós tememos,
“Mais forte que o tufão! Meu filho, é – Deus!” –
Dezembro – 1858
Nota: O tema das brincadeiras do tempo de criança me inspirou, também na puberdade, a escrever versos evocativos desses folguedos: Papagaio de papel e Barquinho de papel, transcritos no post Mais uma (última) sessão nostálgica, da Gaveta do Ivo, em 18/12/2016, que podem ser lidos (aqui).
B. LOPES (1859-1916) – poeta fluminense (20)

Mestiço, de origem humilde, Bernardino da Costa Lopes, nascido na então província do Rio de Janeiro, costumava assinar-se poeticamente apenas B. Lopes, evitando usar o prenome, julgado um tanto “vulgar” à época. Estreou com o livro Cromos em deliciosos sonetilhos que descrevem cenas da vida rural, que lhe deu imediata fama. Mas eis que se apaixona por uma senhora a quem designava como Sinhá Flor, dedicando-lhe versos rebuscados, nas ideias e vocabulário, em que figuram viscondessas, castelos, barões, cavaleiros medievais. Decepcionado, compõe em seu louvor um dos sonetos mais patéticos da língua portuguesa (“Outro, não eu, etc.) Tentando participar da vida política nacional, dedica um soneto ao Marechal Hermes, cujo final caricato: (“ – Bonito herói! Cheirosa criatura!”) seria motivo das mais impiedosas críticas.
BERÇO
Recordo: um lago verde e uma igrejinha,
Um sino, um rio, um postilhão e um carro
De três juntas bovinas que ia e vinha
Rinchando alegre, carregando barro.
Havia a escola, que era azul e tinha
Um mestre mau, de assustador pigarro…
(Meu Deus! que é isto, que emoção a minha,
Quando estas coisas tão singelas narro?)
Seu Alexandre, um bom velhinho rico
Que hospedara a princesa; o tico-tico
Que me acordava de manhã, e a serra…
Com seu nome de amor, Boa Esperança,
Eis tudo quanto guardo na lembrança,
Da minha pobre e pequenina terra!
Nota: O tema da terra natal foi tratado por grande número de nossos poetas, mas nenhum conseguiu obter a singeleza deste soneto de B, Lopes, transformando o verso final numa verdadeira “frase feita”. Eu próprio me vali dele (modificando-o ligeiramente e colocando-o entre aspas para consignar a apropriação) num trecho da minha Rapsódia Ervalense, composta em 1951 em homenagem a Ervália-MG:
Berço
Quando, do alto do Santo Cristo, espio/ a cidade, lá embaixo, espreguiçando, / o meu olhar vai triste, acompanhando / o percurso monótono do rio. // Vejo a praça, o jardim por onde eu ando;/ na igreja, a torre de final esguio;/ e, em fila dupla, o extenso casario, / as chaminés, lá longe, fumegando…// Emocionado, ansioso, em sobressalto, / o meu olhar domina a cordilheira;/ minh’ alma vai subir àquela serra!…// Mas, para que, meu Deus, subir tão alto?!/ – Para abraçar de uma só vez, inteira, / “a minha doce e pequenina terra”.
LUIZ GUIMARÃES JÚNIOR (1845-1898) – poeta fluminense (21)

Luís Guimarães Júnior importante poeta romântico, diplomata e um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras é autor de alguns dos sonetos mais célebres da língua (O Esquife, O coração que bate neste peito e o arqui-famoso Visita à casa paterna, que reproduzimos abaixo). Desse último, consta o verso Resistir, quem há-de, com a inversão do verbo, que se tornou uma frase clichê, um verdadeiro meme de expressão vocabular. Igual popularidade verbal adquiriu o segundo verso: Depois de longo e tenebroso inverno, que se transformou entre nós numa espécie de chavão. Como diplomata, serviu em vários países, terminando sua carreira em Lisboa, onde continuou a residir até sua morte em 1998. Seu filho, Luiz Guimarães Filho (1878-1940), foi igualmente poeta, diplomata e acadêmico.
VISITA À CASA PATERNA
Como a ave que volta ao ninho antigo,
Depois de um longo e tenebroso inverno,
Eu quis também rever o lar paterno,
O meu primeiro e virginal abrigo.
Entrei. Um gênio carinhoso e amigo,
O fantasma talvez do amor materno,
Tomou-me as mãos — olhou-me grave e terno,
E, passo a passo, caminhou comigo.
Era esta sala… (Oh! se me lembro! e quanto!)
Em que da luz noturna à claridade,
Minhas irmãs e minha mãe… O pranto
Jorrou-me em ondas… Resistir quem há-de?
Uma ilusão gemia em cada canto,
Chorava em cada canto uma saudade.
Nota: Não consegui resistir à influência do tema deste soneto e, para a minha Rapsódia Ervalense, de 1951, compus os seguintes versos:
A Casa de Minha Avó
Entro. Há silêncio aqui. Estão sombrias/ estas salas que, outrora, andavam cheias / de encantos juvenis, naqueles dias/ que lá se foram, como tudo o mais… / E as paredes de tábuas tortas, feias, /a triste solidão destes umbrais, / tudo evocando antigas alegrias, / no coração me pesam por demais…/ No quarto, agora entregue ao abandono, / compunha as minhas trôpegas poesias!/ Oh! primaveras líricas!… queria-as/ tanto, e hoje, em seu lugar só vejo outono! / Percorro a casa: está quase às escuras, / mas distingo os retratos dos parentes, / na parede, impassíveis e pendentes,/ na falsa eternidade das molduras./ O relógio da sala as horas deixa/ que passem solitárias – não as conta / e nem profere a rotineira queixa. Sua corda esgotou-se e a idade vence-o…/ – E choro, a cada imagem que reponta/ nas vozes da saudade e do silêncio.
NOTA: OS ESDRÚXULOS SERÃO TRATADOS NA PRÓXIMA SEMANA
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