Meu amigo, Luciano Esteves Mendes, mais conhecido como o poeta Luciano Sheikk, membro da Academia de Letras, Ciências e Artes de Ponte Nova-MG, levantando a história do jornalismo local, teve a paciência de recolher todos os artigos que escrevi para a imprensa daquela cidade mineira, no período 1951/1962. Minha primeira experiência jornalística, ou seja a primeira vez em que vi meu nome em letras de forma num jornal, foi num soneto intitulado “O Pássaro Cego”, que meu padrinho Dr. Edgard de Vasconcellos Barros fizera publicar na Gazeta de Viçosa em 13.04.1947. Pois foi o próprio Edgard quem me encaminhou ao Antônio (Tony) Brant Ribeiro, que estava editando um Suplemento Literário no Jornal do Povo, de Ponte Nova. Folha modestíssima, mas de alto valor intelectual, o Suplemento já estava sendo conhecido fora da área urbana e chegara mesmo a algumas pessoas no exterior. Tony deu excepcional acolhida aos meus versos e presenteou-me como uma série de cartas-guia, que me nortearam no fazer poético, em cujos labirintos eu me enredava. Infelizmente de breve duração, eis que, com o fim daquela folha literária, passei a escrever semanalmente para o mesmo Jornal do Povo uma crônica sob a insígnia de Bilhete do Rio. Era o ano de 1952, acabara de conhecer milagrosamente a minha musa com quem pretendia casar e me preparava para o concurso do Banco do Brasil, para o qual entrei dois anos depois. As tais crônicas, a bem dizer “politiqueiras”, marcavam minha posição, na época, de ferrenho getulista e feroz defensor do “petróleo é nosso”, mas vez por outra deixava extravasar o gosto literário e publiquei uma com o título “Sylvia” (era um grito verde no olhar vazio da paisagem) que me garantiu o título de literato local. Junto comigo, levei para a imprensa ponte-novense, três outros amigos e colegas de Banco (Albertus Marques, Arildo Salles Dória e Geraldo Marques), com os quais escrevíamos outra seção semanal intitulada Os Três Mosqueteiros. Além do Jornal do Povo, havia na cidade outra publicação semanal, A Gazeta da Mata, semi-dirigida pelo brilhante Jamil Santos, a quem não pude negar colaboração, passando a publicar ali semanalmente os meus sonetos:
Venho de longe… Sou daqueles dias
Em que se ergueu a Acrópole de Atenas…
(…)
Ah! Se estivesse agora lá em Minas
A tarde chegaria lentamente
Como nuvem de sombra nas colinas…
(…)
e traduções, como estas de Miguel Ângelo e Shakespeare:
Quisera, ó Deus, querer o que não quero:
(…)
Não lamentes por mim quando eu morrer
Senão enquanto o surdo sino diz
Logo depois, o incansável Jamil Santos deixa a Gazeta e abre um novo jornal, A Tribuna da Mata, com o qual passei a colaborar com algo realmente temerário, seguindo sugestão do próprio editor: a crítica aos articulistas dos jornais da terra, o que só poderia ser feito sob pseudônimo. Foi assim que surgiu A Correspondência de Fradique Mendes, que supostamente chegava às mãos de Jamil vinda de uma fazendola, a Quinta do Furquim, viajando nas costas de uma ‘alimária’ conduzida pelo ‘almocreve’ Adezílio. A escrita das cartas era um pastiche do estilo de Eça de Queiroz e ensejava a criação de termos como “alóites”, que funcionava como uma espécie de grito de guerra do escrevinhador. As críticas (hoje considero até mesmo insensatas) que despenquei sobre os articulistas provincianos, sempre na ilusão de que com elas estaria concorrendo para a elevação da qualidade jornalística da terra, causaram desmedido rebuliço local, com impropérios e ameaças inclusive ao editor. Pax Mineira, tratei de montar no burro e me evadir… Mas não nego que o Fradique foi o meu grande momento jornalístico, cujo anonimato consegui preservar por algum tempo; quando o revelei aos amigos e familiares, houve quem achasse que o Ivo Barroso não tinha cacife para escrever como o Fradique! Era a glória! Numa de suas bravatas, Fradique chegara a atacar Os Três Mosqueteiros e deixara mesmo o D’Artagnan em cheque. Era interessante, pelo menos para mim, ver esse duelo meu contra mim mesmo e ser advertido por um tio que acompanhava empolgado essas lides jornalísticas: “Cuidado! Se esse Fradique te pega, você está perdido!”.
Havia dois leitores em particular para os quais eu escrevia comovido: meu pai, Ormindo T. Barroso, farmacêutico em Ervália, cujo aniversário em 25 de novembro eu sempre comemorava no jornal, e Dona Maria das Pedras Pimentel, minha avó portuguesa, da ilha do Corvo, capaz de ler duzentas vezes o mesmo artigo (o meu, é claro!) sempre que recebia o jornal. Quando ela morreu, achei de bem escrever a minha Última Crônica (última mesmo, pois encerrei com ela a minha atividade de cronista, ficando apenas com Os Mosqueteiros).
Pois o operoso, dadivoso, incansável amigo Luciano Sheikk recolheu, um por um, todos esses artigos e mais as crônicas, poesias, etc., acrescentando ao acervo uma coleção das críticas recebidas por Fradique além de missivas que troquei com amigos ponte-novenses. Desse exaustivo garimpo nasceu o belo livro que tenho agora “O Poeta, o Tradutor e o Crítico”, que tanta alegria me trouxe como se com ele viesse um pouco daquele entusiasmo com que eu escrevia as crônicas de outrora.
Não creio que ele possa interessar a ninguém mais do que aos amigos íntimos e parentes aos quais distribuí os poucos exemplares que me chegaram. Mas, se houver algum leitor persistente que se interesse de fato por essas velharias, sempre será possível conseguir-se um exemplar.
Parabéns ao Luciano por tamanha empreitada. Sou o primeiro da fila para saber o que fazer para obter meu exemplar.
Caro Saulo,
mande-me seu endereço postal que vou ver o que posso fazer junto ao Luciano. Estou perplexo e comovido com seu interesse.
Abraços,
Ivo
Caro Ivo, sua obra é atemporal e universal. Fonte de inspiração e de conhecimento histórico. Uma raridade!