Incentivado por uma série de mensagens em apoio a esta nova seção, continuamos hoje a tratar daqueles poetas que, em nosso tempo, eram tidos como “de primeira linha” e cujos versos até sabíamos de cor. Entre eles, em primeiro plano, estava quase sempre o gaúcho Alceu Wamosy, provindo de uma família de origem húngara, autor de um soneto famoso. Esses versos eram por nós considerados “tiro certo” quando os recitávamos para as nossas namoradas, dando ênfase àquele “Ó tu que vens de longe…), mesmo quando as garotas não passavam de nossas vizinhas.
ALCEU WAMOSY (1895-1923) – poeta gaúcho
DUAS ALMAS
Ó tu, que vens de longe, ó tu, que vens cansada,
entra, e, sob este teto encontrarás carinho:
Eu nunca fui amado, e vivo tão sozinho,
vives sozinha sempre, e nunca foste amada…
A neve anda a branquear, lividamente, a estrada,
e a minha alcova tem a tepidez de um ninho.
Entra, ao menos até que as curvas do caminho
se banhem no esplendor nascente da alvorada.
E amanhã, quando a luz do sol dourar, radiosa,
essa estrada sem fim, deserta, imensa e nua,
podes partir de novo, ó nômade formosa!
Já não serei tão só, nem irás tão sozinha:
Há de ficar comigo uma saudade tua…
Hás de levar contigo uma saudade minha…
ANTOLOGIA DOS POETAS ‘ESDRÚXULOS’ (8)
CLEÔMENES CAMPOS (1895-1968) – poeta sergipano
Poeta pré-modernista, deve seu nome a uma referência a vários personagens históricos, principalmente a Cleômenes I, rei de Esparta. Fez carreira pública em S. Paulo e é autor de um dos sonetos mais estranhos de nossa literatura.
COR CORDIUM
Quando eu morrer, procura uma árvore florida,
E cava-lhe no tronco, amada, o meu caixão:
Quero que aí repouse o meu corpo sem vida,
Longe do humano olhar, dentro da solidão
Cante-me o réquiem triste a voz da água perdida…
Reze por mim o vento a sua alta oração…
E seja-me o silêncio a lápide escolhida:
— Que vale, neste mundo, a maior inscrição?
E, um dia, quando tu, minha doce Querida,
Fores ver-me (talvez o tronco esteja são),
Para que aches, sem custo, a árvore preferida,
Farei cair da altura um fruto em tua mão,
Fruto que, ao roçar a palma comovida,
Irá tomando a forma e a cor de um coração…
NOTA IMPORTANTE: Recebemos carinhosas palavras de incentivo de alguns leitores amáveis, mas voltamos a insistir com os demais frequentadores destas páginas, principalmente junto aos cultores de poesia, para que não deixem de se manifestar quanto aos poemas aqui apresentados. E continuo aguardando algum esclarecimento sobre a origem do nome Eurícledes ou Eurycledes, dados a um poeta e a um cirurgião, e sobre cuja origem nada conseguimos encontrar até agora.
Muito bom ver o RS representado aqui Ivo. Pergunto, se fostes leitores do Eduardo Guimarães, contemporâneo do Alceu?
Sim, meu caro Arthur, tenho A Divina Quimera encadernada em couro azul. Ainda não consegui as traduções do francês, principalmente as de Baudelaire, embora as tenha encomendado aos sebos daqui.
Se houver por aí, informe que quero adquiri-las. Grato e abraço.
Ivo Barroso
Ivo, infelizmente não tenho conhecimento dessas edições aqui. Esses poetas do final do XIX/começo do XX são todos muito difíceis de achar. As minhas edições do Alceu e do Guimarães são todas da década de 80/90 que encontrei em sebos. Att., Arthur.
Sr. Ivo,
O que eu aprecio neste soneto do Alceu Wamosy são os primeiros versos do poema e do segundo terceto. Ao usar monossílabos e dissílabos, ele dá um ritmo martelado incomum na poesia de língua portuguesa, mais próprio do inglês (To be or not …). Mas esta “neve” branqueando uma estrada no Brasil me parece licença poética demais.
Quando o li pela primeira vez, também me surpreendeu positivamente este final realçando a beleza da permanência do transitório.
Já o soneto deste proparoxítono Cleômenes é muito estranho.
Abraço,
João Renato.
Realmente, caro João Renato, trata-se de uma licença poética, um voo da imaginação do poeta e, como ele é do Rio Grande, podemos presumir que estivesse se referindo à “geada” de um rigoroso dia de inverno. Mas a palavra geada, bem como o verbo branquear, exigem, em poesia a supressão do hiato e o verso ficaria bastante duro, por ex. A geada anda a branquear lividamente a estrada. Salvo isto, o soneto é verdadeiramente genial. Abraços. IB
Nossa, o soneto atribuído a San Jan de Ávila é de uma beleza enorme. E sua tradução é perfeita.