Na página de rosto de um livro que comecei a traduzir havia a seguinte citação de Shakespeare:
Thou com’st in such a questionable shape
That I will speak to thee.
Hamlet, Act I Sc IV 43/44
que fui logo traduzindo por
Surges sob uma forma tão suspeita
Que irei falar contigo.
Mas logo embatuquei no questionable. Seria “supeita” a tradução exata, a mais adequada para o caso? Shakespeare é sempre preciso no uso das palavras, mormente no emprego de adjetivos, e logo me ocorreu que eu tinha na estante pelo menos umas 6 traduções brasileiras da peça e que seria interessante verificar como os colegas se saíram desta:
A mais antiga:
Vens em forma tão suspeitosa
Que te quero falar
(Tristão da Cunha- Schmidt Editor, 1933)
Surges sob uma forma tão apta a provocar a minha indagação
que quero te falar
(Péricles Eugênio da Silva Ramos – José Olympio, 1955)
Surges num costume tão questionável
que eu falarei contigo
(Geraldo de Carvalho Silos – Editora JB, 1984)
Tu te apresentas de forma tão estranha
Que eu vou te falar.
(Millor Fernandes -L&PM, 2003)
E as três mais recentes:
Tu vens sob forma tão surpreendente
Que eu desejo falar contigo.
(Rodrigo Lacerda – Zahar, 2015)
Vens com forma tão cara e tão estranha
Que eu desejo falar contigo
(Bárbara Heliodora, Nova Fronteira, 2015)
Surges para nós numa forma tão ambígua
Que só quero é falar
(Lawrence Flores Pereira – Penguim, 2015)
[Prêmio Jabuti de Tradução de 2016]
De lambujem uma ainda, em espanhol:
Te presetas em forma tan dudosa
Que quiero hablarte
(Luiz Astrana Marín – Espasa-Calpe, 1946)
Além dessas acepções, o “Dicionário Inglês-Português” , de Leonel Vallandro, consigna as seguintes possibilidades : duvidoso, incerto, discutível, contestável, suspeito, equívoco.
Qual delas, amigo leitor-tradutor, você usaria? Por favor, não deixem de responder.
Fico com a tradução do Milor Fernandes, pela naturalidade.
Acho que eu não falaria com gente suspeita, mas gente estranha sempre me dá aquela vontade de ter um dedinho de prosa!
Ivo, eu usaria a do Lawrence Flores Pereira, por gostar mais da forma ambígua daquela sensação de estranheza… Abraços!
… mas se fosse para escolher a do dicionário acho que incerto, forma incerta, soaria bem.
eu ficaria entre estranha e surpreendente (no sentido do péricles, que deve ter copiado de algum dicionário, para ficar tão comprido assim, embora correto: algo que, por inusitado, desperta indagações)
aliás, inusitado acho que não ficaria mal: “vens numa forma tão inusitada” (dando-se a causa pelo efeito)
(…) Tu surges em tão dúbio aspecto
Que dialogar contigo irei.
Ivo, eu tentaria verter por: “Surges de forma assim tão controversa”.
Para contribuir com a postagem, cito:
“tu te apresentas em forma tão sugestiva que quero falar contigo!…”
trad. Cunha Medeiros e Oscar Mendes, “Obra Completa”, vol. I, Aguilar, 1969, p. 546
“Apareces com forma tão estranha,
Que a ti quero falar”
trad. José Roberto O’Shea, “O primeiro Hamlet”, Hedra, 2010, p. 72
ah, mas estou lendo a passagem toda – não, retiro o que disse antes – a forma aí é questionável, ambígua, não dá para saber se é do bem ou do mal.
ah, mas agora, vendo o trecho, eu ficaria com duvidosa, ambígua, questionável mesmo…
dúbio é bom! de quem é essa tradução, saulo?
Denise, a tradução é minha.
“tão duvidosa é a forma que assumiste/ que resolvo falar-te” (carlos alberto nunes)
“tu te apresentas em forma tão sugestiva que hei de falar contigo!” (cunha medeiros e oscar mendes)
Tradução pelo sentido dominante
Caríssimo Ivo Barroso,
No primeiro ato, depois da chegada do Fantasma, o texto original, reza:
Be thy intents wicked or charitable,
Thou comest in such a questionable shape
That I will speak to thee.
…
Que uma atualização disponível, assenta:
Whether you’re a good spirit or a cursed demon, whether you bring heavenly breezes or blasts of hell fire, whether your intentions are good or evil, you look so strange I want to talk to you.
Se assim for, a melhor tradução, pelo sentido dominante será a de Millôr Fernandes.
Ou, não?
Garoeiro
Gosto muito de ambígua
Ivo, a inquietação de Hamlet – além da que sente ante o espectro do pai – provém do fato de que o vê em armadura. Por qual motivo, se não se estava em guerra? Forma suspeita, forma ambígua, duvidosa, surpreendente – penso que não seja nada disso. Eu usaria a palavra “inquietante”, já que a tradução literal – “questionável” parece tão… indevida para nós. Ou… “controvertida”. Mas ficaria, mesmo, com “inquietante”
Mas o bom, mesmo, é ficar sabendo que vem novo trabalho seu por aí. O que seria?
A primeira que me ocorre é duvidosa. Gostei de ambígua mas parece muito dual, suspeita parece condenável. Para mim a ideia é de incerteza, talvez diáfana?