O Beijo, escultura de Auguste Rodin
Origem do Dia Internacional do Beijo
Não se tem certeza sobre a origem do Dia do Beijo, porém acredita-se que a data teve origem numa vila italiana onde havia um homem chamado Enrique Porchelo, que beijava todas as mulheres que encontrava, não importando se eram ou não comprometidas. No dia 13 de abril de 1882, o padre da localidade resolveu oferecer um prêmio em moedas de ouro à primeira mulher que se apresentasse e não tivesse sido beijada por Enrique. Nenhuma mulher se apresentou, e acredita-se na lenda de que a pequena fortuna, não outorgada, continui escondida em algum lugar da Itália até hoje.
As duas mais famosas citações literárias sobre beijo que conheço são a cena do baile em “Romeu & Julieta”, de Shakespeare, e o beijo de Roxana, no Cyrano de Bergerac, de Edmond Rostand (a minha preferida).
A CENA DO BAILE
A cena do baile é a número V do ato I e se passa durante uma festa na mansão dos Capuleto (pais de Julieta). Romeu, que é Montecchio, ou seja, de família rival, penetra disfarçado no baile, aproxima-se de Julieta e lhe segura a mão para dançar com ela:
If I profane with my unworthiest hand
This holy shrine, the gentle sin is this;
My lips, two blushing pilgrims, really stand
To smooth that rough touch with a tender kiss.
Ou, na mais que fabulosa interpretação de Onestaldo de Pennafort:
Se profanei com a minha mão sacrílega
O santo relicário dessa mão,
Para tão doce falta a doce pena é esta:
Meus lábios, dois humildes peregrinos,
Só pedem a graça de expiar
Com ternos beijos a profanação
Da rude mão.
E prossegue:
JULIETA:
Meu bom romeiro,
Sois severo demais com a vossa mão,
Que só mostrou com isso a sua devoção,
As santas também têm mãos, que os romeiros
Podem tocar, quando eles bem desejam.
E unindo as palmas é que as mãos se beijam.
ROMEU
As santas e os romeiros não têm lábios?
JULIETA
Sim, romeiro, mas só para a oração.
ROMEU
Oh! se assim é, minha querida santa,
Que os lábios façam o que faz a mão!
Eles vos rogam; concedei a graça,
Para que a sua fé não se desfaça!
JULIETA
Porém, as santas, para conceder
As graças, não precisam se mover.
ROMEU
Ficai imóvel, pois, minha santa querida,
Enquanto eu colho a graça concedida
(Beija-a)
O BEIJO DE ROXANA
A outra citação — em que se encontra a mais bela definição de beijo que conheço (em francês: Un point rose qu’ on met sur l’ i du verbe aimer; em português: Ponto róseo no “i” do lábio que se adora) — se refere à famosa cena do balcão (Ato III, cena X) da peça teatral “Cyrano de Bergerac”, de Edmond Rostand (1868-1918), cena ali denominada “O Beijo de Roxana”.
O poeta-espadachim Cyrano de Berrgerac, pertencente aos célebres cadetes de Gasconha, nutre um secreto amor por sua prima Roxana, mas jamais ousará confessá-lo pois sua aparência física (um narigão descomunal) não lhe permite qualquer veleidade amorosa. Por sua vez, Roxana está apaixonada pelo belo Cristiano, um cadete que serve na mesma companhia de Cyrano. Sabendo que a prima é uma letrada, que adora os galanteios floreados, Cyrano ajuda Cristiano, belo mas nada eloquente, a escrever e pronunciar palavras que seriam do agrado da prima. A cena aqui se passa à noite: Roxana está em seu balcão e Cristiano se aproxima para seduzi-la. Ele se recusa a usar frases que Cyrano lhe havia ensinado, pois acha que pode conquistá-la sozinho. Logo às suas primeiras frases, Roxana se mostra desiludida com a platitude vocabular do moço, e Cyrano sugere ficar ao lado, na sombra, soprando para ele algumas frases amorosas. A alternativa fracassa pois Cristiano não consegue reproduzir devidamente o que Cyrano lhe sopra. A solução será Cyrano, aproveitando-se da sombra e de seu enorme chapelão, assumir o lugar de Cristiano e continuar a conversa amorosa como se fosse o outro. Lá pelas tantas, Roxana já embevecida com o palavreado de Cyrano, concede dar ao suposto Cristiano uma prova de seu amor. O jovem então se aproveita e pede a Cyrano que convença a amada a conceder-lhe um beijo. Apesar da recusa de Cyrano, Roxana insiste na oferta, embora pudicamente se retraia ante a menção de beijo.
CYRANO
Baiser. Le mot est doux!
Je ne vois pourquoi votre lèvre ne l’ose;
S’il la brûle déjà, que sera-ce la chose?
E prosseguindo, na mais que extraordinária tradução de Carlos Porto Carrero:
Beijo, o nome é doce. E, pois,
Para o lábio hesitar, motivo é que não vejo.
Se ao nome ele se inflama, o que faria ao beijo?
Não vos deixeis tomar de repentino susto;
Deixastes o gracejo, aos poucos e sem custo;
Deslizastes, após, sem comover-vos tanto,
Do sorriso ao suspiro e do suspiro ao pranto;
Basta-vos deslizar dos olhos para a boca:
Das lágrimas ao beijo a diferença é pouca.
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Mas… um beijo? O que é que não se peça?
Um voto que se faz mais perto, uma promessa
Mais firme, uma expressão que o fato corrobora;
Um ponto róseo no i do lábio que se adora;
Segredo que se diz.. na boca; uma centelha
Do infinito, e que faz leve rumor de abelha;
Comunhão que nos dá de pétalas o gosto;
Modo de se aspirar o coração no rosto
E de provar-se, um pouco, à flor dos lábios, a alma.
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Sim! Um beijo é a soberana palma:
A rainha de França a um lorde, ao mais ditoso,
Um beijo concedeu…
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Silencioso
Como ele eu sufoquei a dor que me espezinha;
Como ele, triste, em vós, adoro uma rainha.
Depois dessa lábia toda, Roxana não resiste: pede que o amado suba até a sacada em que ela está para colher “a vívida centelha”. Cyrano empalidece, quer que Cristiano suba em seu lugar. Este hesita, pois sente que foi Cyrano quem conquistou o beijo. “Avia-te, animal!” Sobe lá imbecil, diz-lhe Cyrano.O belo Cristiano vai; mas ao vê-lo colhendo “o beijo da vitória”, Cyrano exclama:
Ai de mim! Que lancinante dor!
Beijo! No teu festim sou Lázaro de amor;
Contudo, uma sutil partícula, que é tua,
Dentro em meu coração nas trevas se insinua;
Pois no lábio que beija, em frívola doidice,
Roxana está beijando as frases que eu lhe disse.
Demais! Caro leitor, se esta é a primeira vez que você lê estes versos de Rostand, trazidos até nós pelo insigne tradutor Carlos Porto Carreiro, corra e vá comprar o livro. Ele ficou gravado na alma dos jovens de minha geração. Tenho a certeza de que também há de ficar na sua.
Excelente a matéria sobre o beijo.
Um grande abraço,
José Carlos
Meu amigo Solha me informa por e-mail que não conseguiu postar aqui um comentário (gráfico) em adendo sobre o beijo: o de Brancusi (acima) e o de Gustav Klimt (que não veio).
Agradeço pela boa lembrança e por ambos.
Ivo Barroso
Vai aqui um extraordinário beijo de 2.800 anos, Ivo:
Espetacular, meu caro Solha. Você descobre coisas!! Veja se consegue postar também o beijo de Klimt que está faltando.
Obrigado por todos esses beijos, com exclusão do último que me pareceu macabro.
Abraços,
Ivo