A Páscoa é tempo propício à meditação e à esperança. Mormente agora que habemus um novo Papa e a Igreja parece encaminhar-se no sentido de sua destinação histórico-religiosa: a valorização dos princípios éticos sem os quais a existência humana se degrada. Não tendo algo de meu para lhes dar sobre a grandiosidade deste período pascal, escolhi dois poetas mineiros que compuseram grandes versos sobre a Semana Santa: Djalma Andrade (1891-1976) e Alphonsus de Guimarães (1870-1921). Sobre Alphonsus e sua poesia religiosa, já falei aqui. Sobre Djalma, lembro-me que em 1954, em janeiro, três meses antes de entrar para o Banco do Brasil, fizemos (eu e Albertus Marques, meu grande amigo, aqui), uma espécie de “viagem de despedida”, a Ervália (minha terra natal), Viçosa (onde fui publicado pela primeira vez) e Ponte Nova (em cujo Jornal do Povo nós ambos escrevíamos). Em Viçosa, visitamos o nosso grande incentivador literário, Dr. Edgard de Vasconcelos (veja aqui), que viria a ser meu padrinho de casamento dois anos mais tarde, e que naquele momento estava no auge de sua carreira de pedagogo, professor emérito da Universidade Rural de Viçosa, depois de tirar vários PHDs de especialização no Exterior. Edgard nos recebeu em seu palacete a cavaleiro da estação ferroviária de Viçosa e conversamos longamente sobre literatura. Ao sairmos, ele nos presenteou com um livrinho de bela capa e excelentes versos do poeta mineiro Djalma Andrade, autor dos mais fluentes sonetos que já tenho lido, capaz de uma linguagem simples e direta que dá à sua poesia um tom quase conversacional:
Foto de Djalma Andrade
ATO DE CARIDADE
Que eu faça o bem, e de tal modo o faça,
Que ninguém saiba quanto me custou:
― Mãe, espero de Ti mais esta graça:
― Que eu seja bom sem parecer que o sou.
Que o pouco que me dês me satisfaça,
E se, do pouco mesmo, algum sobrou,
Que eu leve essa migalha aonde a desgraça
Inesperadamente penetrou.
Que a minha mesa, a mais, tenha um talher,
Que será, minha mãe, Senhora nossa,
Para o pobre faminto que vier.
Que eu transponha tropeços e embaraços
― Que eu não coma, sozinho, o pão que possa
Ser partido, por mim, em dois pedaços.
MATER ADMIRABILIS
Quando eu entrei naquela igreja, estava
Nossa Senhora ao pé de Jesus Cristo;
Parecia que a santa me fitava
Como se nunca me tivesse visto.
― Não me conheces, Mãe?― E’ que eu pecava,
E vim para te ver e te contristo:
O rosto do teu filho o vício cava,
Mãe, minha Mãe, eis o que sou ― sou isto!
Mas noto em teu olhar um certo brilho …
Deixa que beije a fímbria do teu manto,
Talvez tu reconheças o teu filho.
Talvez fosse ilusão tudo que eu via:
Quando, de novo, olhei seu rosto santo,
Nossa Senhora, para mim, sorria.
***
Alphonsus de Guimaraens
DOIS SONETOS DO “SETENÁRIO DAS DORES DE NOSSA SENHORA”
E recebeste-O nos teus braços. Vinha
Do alto do Lenho onde estivera exposto
Ao ímpio olhar, tão ímpio! da mesquinha
Multidão que insultava o santo Rosto…
Sangue o peito suavíssimo continha,
Num resplandor de raios de sol posto…
Oh Vinha do Senhor, excelsa Vinha
Em cachos siderais de etéreo mosto!
Sangue que se derrama em ondas, sangue
Que, para a salvação dos homens, corre
Purpureamente brando, e O deixa exangue…
E que correndo como então corria,
Por toda a eternidade nos socorre
No mistério eternal da Eucaristia…
Só… Mas quem te fizera companhia,
Neste mundo, depois de Ele a ter feito?
Quem, Senhora dolente, poderia
Conter o mesmo amor daquele Peito?
Viesse-te Ele buscar naquele dia
Em que te abandonara, o Olhar desfeito
Em astros: e a tua Alma vagaria
Nas barbacãs e torres do seu Preito…
As harmonias célicas, suaves,
Para saudar-te, oh santa Bem-Amada,
Gorjeariam como um bando de aves.
E novo som nas harpas, novo brilho
Nas esferas da mística Morada,
Quando chegasses junto com o teu Filho…
A única contribuição (semi) pessoal que posso dar ao tema é a minha tradução do célebre soneto anônimo espanhol do século XVI
A CRISTO CRUCIFICADO
Não me move, meu Deus, para querer-te
O céu que me deixaste prometido
Nem me move o inferno tão temido
Para deixar, por isso, de ofender-te.
Tu me moves, Senhor; move-me ver-te
Pregado numa cruz e escarnecido;
Move-me ver teu corpo tão ferido
Sofrer afrontas e jazer inerte.
Move-me, enfim o teu amor eterno,
Que em não havendo céu inda te amara
E te temera não houvesse inferno.
Nada por teu amor minh’alma espera,
Pois se o que espero achar não esperara,
O mesmo que te quero te quisera.
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P.S. O retrato de Djalma Andrade – raríssimo! – foi-nos enviado gentilmente pela Academia Mineira de Letras. Nossos agradecimentos. Igualmente rara, obtivemos a reprodução da capa do livro de Alphonsus de Guimaraens por intermédio de seu neto, o poeta Afonso Henriques Neto, a quem agradecemos.
Quantas orações para engrandecer o coração nessa noite de sexta feira..
Obrigado, HASSDC (?),
pelas orações e pela divulgação que fez das Novelas inacabadas.
Recomendações do
Ivo Barroso
Prezado sr. Ivo, não conhecia este poeta Djalma Andrade e fiquei muito curiosa pela sua obra, vou buscar mais informações sobre ele. Já o texto sobre Alphonsus Guimarães me trouxe a lembrança do meu segundo grau, quando estudamos esse autor e fizemos algumas apresentações teatrais sobre a sua obra no teatro da minha escola (eu, por exemplo, fui Ismália em um deles e, no final, quando ela se joga no mar, soltava uma pomba branca: esse foi o começo e o fim da minha brevíssima carreira teatral de um dia). Foi bom relembrar este tempo em que líamos tanta poesia.
Marcia, o Djalma Andrade é de fato um poeta fabuloso, embora pouco lido hoje e até mesmo desconhecido por muitos. Meu amigo jcateixeira@terra.com.br tem dois belos PPFs sobre as poesias de Djalma. Contacte-o, que ele pode lhe enviar essa bela antologia por e-mail.
inb